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⅔ dos professores saem de cursos a distância: como deveria ser a formação?

⅔ dos professores saem de cursos a distância: como deveria ser a formação?

A formação de professores à distância já estava em disparada no Brasil, e isso só aumentou com a pandemia. Divulgado no ano passado, o último Censo da Educação Superior confirmou o avanço dessa modalidade: 87% das vagas de licenciatura ofertadas em 2023 eram de cursos EAD, com pedagogia na ampla liderança.

Dados do Ministério da Educação (MEC) compilados pelo Todos Pela Educação demonstram o tamanho do desafio: o número de professores graduados na modalidade EAD mais do que dobrou, chegando a 135 mil em 2022, o que representa 65% do total. Por outro lado, os concluintes em licenciaturas presenciais diminuíram quase 40% no mesmo período, e se tornaram 35% dos concluintes.

“O professor do futuro, que vai atuar na educação básica em grande número, vai sair de um curso à distância”, chegou a declarar o diretor de Estatísticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no ano passado. Na prática, contudo, o MEC deve lançar em breve o novo marco regulatório, assim como decisão do Conselho Nacional da Educação (CNE) já determinou que metade do currículo seja presencial.

Essa decisão ocorre em um contexto de desafios com a explosão do ensino, principalmente com a abertura de novos cursos por instituições sem uma avaliação específica do governo. Especialistas falam em medidas necessárias para garantir a qualidade da formação, principalmente prática, o que impediria um modelo totalmente EAD, mas não a manutenção de uma parte do currículo à distância, por exemplo.

Movimentação em sala de aula de curso pré-vestibular de São Paulo Foto: Tiago Queiroz -16/04/2025

A Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) defende a cobrança de qualidade dos cursos, mas afirma que um modelo híbrido com o percentual de 50% presencial pode prejudicar a permanência de milhares de alunos. Isso porque esses estudantes precisariam da flexibilidade proporcionada pelo modelo digital.

Para Claudia Costin, ex-diretora global do Banco Mundial e especialista em políticas educacionais, o modelo metade presencial e metade EAD pode ser uma alternativa para garantir a formação prática, em sala de aula, e dar a flexibilidade de ofertas disciplinas mais teóricas à distância. “Não é errado o EAD. O EAD bem feito não só ampliou as chances de acesso ao Ensino Superior como pode ter qualidade, em geral”, avalia.

Nesse cenário, diz que o Ensino Superior precisa ser pensada também para adultos que trabalham. Afinal, parte desses graduandos tem horários mais restritivos e perdem muito tempo diariamente em deslocamentos, por vezes de bairros periféricos ou outras cidades.

Márcia Lopes Reis, professora da Faculdade de Ciências da Unesp Bauru, destaca que a necessidade da experiência presencial é maior nas licenciaturas por ter uma grande demanda de formação prática, como na medicina, por exemplo. “Um grande problema (do EAD) é o fato que você não vivencia, a relação teoria e prática fica um tanto quanto desconectada. É verdade que tem o momento do estágio, mas costuma ser muito separado e, inclusive, com horas a menos, do que um processo em modo híbrido.”

A pesquisadora salienta, ainda, que as próprias experiências vivenciadas na pandemia e o avanço tecnológico têm exposto novos desafios ao ensino. “Agora, que nós temos acesso à Inteligência Artificial Generativa, que problemas novos serão colocados? Muitos deles nem conhecemos ainda. O fato de estar à distância dificulta vivenciar novos problemas que estão surgindo com o advento de tecnologias revolucionárias”, analisa.

Por outro lado, Márcia diz que o EAD pode ser uma boa alternativa de formação complementar, como uma segunda graduação ou um curso de aperfeiçoamento. Para exemplo, cita experiências no Canadá, nos Estados Unidos e partes da Europa e Ásia.

Já a coordenadora de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Natália Fregonesi, salienta que a formação do professor deve ser marcada pela aprendizagem de como transformar o conhecimento em atividades significativas de aprendizagem. “Ter habilidades relacionais é importante, mas não se aprende só numa tela de computador, assistindo vídeos e lendo textos”, diz.

Em situações específicas, contudo, avalia que um ensino predominantemente à distância poderia continuar, como no caso de áreas remotas, por exemplo. “Hoje, o EAD não é mais a exceção, é a regra. E não pode ser a principal estratégia para o País formar seus professores”, argumenta.

Associação critica fim do modelo 100% EAD

Presidente da ABED, João Mattar aponta que o crescimento do segmento mostra que há uma demanda por cursos à distância, principalmente para pessoas que concluíram o Ensino Médio há mais tempo e trabalham. Ele diz que esses ingressantes são atraídos pela flexibilidade nos horários e de não precisar se deslocar, além de mensalidades geralmente mais acessíveis.

Mattar considera que a obrigação de metade da carga presencial inviabilizaria a continuidade de parte dos cursos e alunos. “Muitos não têm condições de fazer esses 50%. Significa penalizar esses alunos. O que a Abed tem defendido é a educação à distância de qualidade”, diz. “Ninguém defendendo que por causa disso tem que ter curso ruim.”

Ele fala, por exemplo, que os cursos precisam preparar seus estudantes para o ensino à distância, que exige maior autonomia e organização de tempo. “Precisa ter inclusão e qualidade. Esse equilíbrio é o desafio”, ressalta. Também argumento que, pelos alunos serem em parte pessoas que já trabalham, acumulam experiências de maior contato social e prático.

Além disso, Mattar ressalta que o EAD pode ter atividades presenciais complementares, como estágios, extensão e encontros em polos educacionais. Da mesma forma, fala na importância da atualização do material didático.

EAD já é maioria na formação de professores Foto: Werther Santana/Estadão – 17/11/2024

Formação presencial também precisa de aprimoramentos

Dados do último Enade das licenciaturas (de 2021) compilados pelo Todos Pela Educação mostram que sete das 15 licenciaturas avaliadas tiveram uma queda na em relação a 2014. A redução na nota média ocorreu em Pedagogia, Ciências Biológicas, Educação Física, Letras – Português e Inglês, Física, Química e Música.

Dessa forma, especialistas avaliam que o governo também precisa estar atento à qualidade do ensino nos cursos presenciais. Fala-se em aperfeiçoamentos nas experiências dos estágios obrigatórios e nos programas de residência pedagógica. Além disso, há o desafio de déficit de profissionais de algumas áreas nas escolas.

A coordenadora de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, Natália Fregonesi, aponta que os cursos presenciais hoje não são “perfeitos”. “Para além desse marco regulatório revisto, o MEC precisa rever instrumentos de avaliação, que hoje são frágeis. É preciso rever, não permitindo que cursos de baixa qualidade continuem abertos”, explica.

Além disso, defende que o estágio obrigatório inicie já nos primeiros semestres da formação, com acompanhamento tanto pelo professor da rede de ensino quanto pelo docente da faculdade. “Hoje, há professores que se formam e não se sentem preparados”, aponta. “Os programas que já existem (como o Pibid) precisam ser fortalecidos.”

Também fala na revisão dos currículos, principalmente considerando o contexto digital. “Os cursos de licenciatura há muito tempo seguem o formato que temos hoje. O desafio vem há longo anos, mas, com certeza, se aprofunda com as tecnologias.”

Para Claudia Costin, a residência pedagógica é pouco oferecida e, por vezes, tem uma aplicação também mais científica, do que uma prática em sala de aula, até mesmo por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid). “É uma parcela pequena que faz, com oferta limitada”, diz.

Além disso, a especialista avalia que até universidades públicas deveriam passar por revisões em suas metodologias e currículos. Um dos aspectos a se observar é o equilíbrio entre uma grade teórica e de disciplinas voltadas à prática em si.

“É muito importante olhar para a profissão como um trabalho que formará a nova geração. Não posso precarizar a formação de crianças e adolescentes, que vão construir o futuro do País”, defende. “O professor é uma profissão muito complexa, e que tem uma abordagem mais profissionalizante, como um médico, com aspectos que transcendem uma aula expositiva.”



Fonte ==> Estadão

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