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‘1984’ e a distopia digital – 02/03/2025 – Opinião

'1984' e a distopia digital - 02/03/2025 - Opinião

Em 2017, logo após a posse do republicano Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos, as vendas de “1984”, de George Orwell, dispararam. O romance escrito em 1948 chegou a ocupar o 1º lugar na lista de best-sellers mais vendidos naquele país na Amazon. Não foi a primeira vez, no entanto, que “1984” viveu um boom por sua capacidade de dialogar com os dias de hoje.

Embora escrevesse sobre o futuro, Orwell falava sobre aquele momento presente, descrevendo os regimes totalitários do século 20. A obra, no entanto, atravessou gerações e é frequentemente citada como reflexo da atualidade.

O romance apresenta ao leitor uma sociedade manipulada pelo controle de informação e pela vigilância massiva. O Ministério da Verdade se encarrega de estabelecer o que é falso e o que é verdadeiro. Os fatos são definidos pelo Estado.

Hoje, com os algoritmos, a manipulação da informação acontece de maneira mais sutil, mas com consequências que podem ser danosas à população. O que o mundo viveu durante a pandemia de Covid-19 talvez seja o exemplo mais evidente da capacidade destrutiva desse mecanismo.

Tal como o Ministério da Verdade de “1984”, as notícias falsas, não raro, reescrevem a história, de modo a distorcer a realidade. Mas, diferentemente do que acontece no romance britânico, nem sempre os chamados “fatos alternativos” têm como objetivo apenas favorecer um governo, um partido ou uma linha ideológica. Os beneficiários da manipulação são múltiplos e estão tanto no ambiente público quanto no privado.

As plataformas digitais filtram o que acessamos, priorizando conteúdos que geram mais engajamento e, muitas vezes, reforçam certos pontos de vista enquanto ignoram outros.

Em “1984”, o “Big Brother” controla os cidadãos, monitorando seus comportamentos e pensamentos. Nos tempos atuais, a vigilância digital e o rastreamento de dados permitem que se saiba tudo sobre nossos hábitos e até sobre a nossa forma de pensar.

Nos últimos anos surgiram ainda os deepfakes —vídeos, imagens e áudios manipulados por meio da inteligência artificial. Eles já se consolidaram como ferramentas centrais de fraudes digitais, de golpes financeiros e de manipulações políticas.

Nesse contexto, as big techs passaram a representar um obstáculo no combate à escalada das fake news —não só na circulação, mas, sobretudo, na produção desses conteúdos.

Ferramentas de manipulação da realidade estão sendo disseminadas na velocidade da luz e, hoje, qualquer pessoa é capaz de produzir conteúdos manifestamente ilícitos.

Em recente entrevista, James A. Robinson, Prêmio Nobel de Economia em 2024, falou sobre a necessidade de uma regulação global em relação à IA. Segundo ele, as consequências do uso da ferramenta ainda são obscuras e podem causar destruição criativa.

“O que me assusta é que ninguém parece pensar como fazer a IA ser mais compatível com as pessoas, em vez de substituí-las”, disse ele à Bloomberg Línea.

O acesso à informação de qualidade é fundamental para uma sociedade democrática. Entretanto, nem as democracias mais maduras conseguiram ainda encontrar um caminho para tornar o ambiente digital mais seguro.

No Brasil, a contaminação do debate pela polarização política tem travado a discussão nos três Poderes. A construção de uma saída não é simples, mas está claro que ela passa, necessariamente, pela responsabilidade das plataformas digitais na moderação de conteúdo ilícito e na proteção dos direitos fundamentais.

O tema é controverso e exige amplo debate. Mas, para que a distopia de Orwell não perpasse por mais um século, é necessário esforço conjunto. No Brasil, a sociedade civil e os Poderes constituídos têm condições de definir se as ferramentas tecnológicas podem ser aliadas e não representar riscos para a nossa e as futuras gerações.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.



Fonte ==> Folha SP

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