O assunto da semana é o celebrado Oscar de Melhor Filme Internacional para “Ainda Estou Aqui“.
Na mesma semana em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, é essencial lembrar, como Fernanda Torres enfatiza em suas entrevistas, que esse filme narra a força de Eunice Paiva. Uma mulher que, após uma vida dedicada a todos, passou seus últimos anos convivendo com o Alzheimer e precisou, enfim, ser cuidada.
Você provavelmente conhece alguma mulher em situação similar. Eu penso na minha avó. Como Eunice, ela sempre esteve à frente dos cuidados da família e assim criou cinco filhos. Casada, a divisão de tarefas era rígida: ele era o provedor, e ela, a cuidadora. Mas, nos últimos 15 anos, o Alzheimer mudou completamente a dinâmica familiar. Foi nossa vez de aprender a cuidar daquela que sempre cuidou.
Nesse processo, erramos bastante. Demoramos a encontrar o apoio necessário, os tratamentos adequados, os medicamentos disponíveis no SUS, as cuidadoras que ofereceriam assistência com carinho e preparo. Para os familiares que assumem esse papel, há uma sobrecarga invisível: trabalho exaustivo, sacrifícios na própria carreira e no autocuidado.
Essa é a situação de muitas famílias no Brasil. O cuidado com idosos, crianças e pessoas com deficiência é relegado à família. E, dentro destas, às mulheres.
Dados do IBGE de 2022 mostram que as mulheres ainda dedicam quase o dobro do tempo dos homens aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas. Se o trabalho é remunerado, ele recai majoritariamente sobre trabalhadoras domésticas –em sua maioria, mulheres negras e sem carteira assinada.
Quando uma família se vê diante da necessidade de cuidados extras para um ente querido, não há um guia claro sobre o que fazer. Não há um apoio estruturado do Estado, um conjunto de políticas que ofereça orientação e suporte. Em especial com o envelhecimento da população, garantir que todos tenham acesso a cuidados adequados tornou-se uma urgência.
Nesse sentido, a sanção da Política Nacional de Cuidados, em dezembro, representa um avanço importante. A lei insere o direito ao cuidado no marco normativo brasileiro, assim como a educação e a saúde, pelo menos legalmente. Agora, o desafio é transformar essa conquista em ações concretas.
O plano de implementação, ainda em desenvolvimento, precisa ser ambicioso para atender a múltiplos objetivos: proteger tanto quem recebe cuidados quanto quem os provê, de forma remunerada ou não.
Assim, o plano deve ser capaz de integrar serviços de saúde e assistência social, garantir condições dignas de trabalho para cuidadores e, de forma mais desafiadora, promover uma mudança cultural sobre a divisão sexual, racial e social do cuidado.
Para minha avó, essa política chegou tarde. Como tantas famílias, a nossa precisou se adaptar, enfrentando desafios e aprendendo no caminho. Mas políticas públicas eficazes e responsabilidade compartilhada na sociedade podem tornar o processo menos solitário para as famílias e suas mulheres.
Garantir cuidado a quem precisa, com respeito e valorização para quem cuida, é, enfim, um compromisso coletivo e necessário.
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Fonte ==> Folha SP