No Brasil, 87,4% das pessoas vivem em cidades, conforme o último Censo 2022. Diante desse número, é interessante notar como a agenda ambiental do país pouco menciona as questões urbanas, apesar de impactarem diretamente quase toda a sua população.
Muito se fala de energia renovável, petróleo e devastação da amazônia, mas pouco se ouve sobre arborização, ilhas de calor e impermeabilização urbana. Há mais de duas décadas que a boa ciência mostra claramente a importância de cidades verdes para a saúde humana e, mais recentemente, para a resiliência à mudança climática.
Pouco se fala da importância da existência de vegetação em quantidade e qualidade suficientes para reduzir a temperatura, reter poeira, filtrar gases tóxicos, restaurar a biodiversidade nativa e o equilíbrio ecológico, abrigar avifauna, diminuir a poluição sonora, regular o clima, gerar chuvas, recarregar lençóis freáticos e minimizar enchentes com mais áreas permeáveis.
Mas, na contramão, o que se assiste atualmente em esmagadora parte das cidades brasileiras é à aridez crônica e deliberada, junto ao descaso com a questão. Quando existem árvores, basta uma breve caminhada para encontrar um festival de problemas sérios, como o enforcamento de troncos pelo cimento, cupins e fungos apodrecedores fomentados por podas mutiladoras em atrito com a fiação elétrica ainda aérea, muretas que impedem a absorção de chuva, solos compactados, raízes cortadas, árvores anãs (de espécies que não fazem sombra mesmo adultas), além de muitas espécies inadequadas crescendo tranquilamente por décadas sem que haja fiscalização. O resultado de tal lacuna são tragédias e acidentes em profusão, gerando na população uma enorme má fama com a arborização, que se torna um assunto maldito em eleições.
Como agravante, estamos vivendo dois tipos de mudanças climáticas nas cidades brasileiras. Uma já bastante divulgada pela grande mídia, a global, causada pelos gases de efeito estufa e que temos pouca capacidade de interferência por ser assunto dependente das grandes economias do planeta; e outra ainda quase desconhecida, a mudança climática regional, essa originada pela aridez e impermeabilização das malhas urbanas, que geram as ilhas de calor e os eventos climáticos extremos —uma opção nossa.
São Paulo, há cerca de 50 anos, era a “cidade da garoa”. Hoje é a metrópole das tempestades extremas e destruidoras, como assistimos nos últimos meses. Para enfrentar tais desafios serão necessárias reformulações drásticas nas gestões ambientais das cidades. Como infraestrutura vital, precisamos de um órgão federal destinado a regular, pesquisar e fiscalizar a arborização urbana e o paisagismo público das cidades brasileiras, um “Sistema Único de Arborização”. Junto a isso, de órgãos municipais dedicados exclusivamente ao plantio e manutenção, com equipes técnicas suficientes, bem equipadas e treinadas, e investimentos à altura.
Temos que reorganizar e ocupar parte das vagas de veículos com árvores nativas de grande porte junto a jardins de chuva, formando “túneis verdes”, e pulverizar novos parques e praças com os biomas nativos em toda a malha urbana.
Sem esquecer que, no país de maior diversidade de plantas nativas do mundo, também é necessário trazê-las para as cidades em meio ao atual problema ecológico e cultural do grande predomínio de vegetação estrangeira. Para isso, precisamos de legislações que facilitem o seu cultivo e de centros de pesquisa —algo como uma “Embrapa Paisagismo e Arborização”.
Com o agravamento de ambas as mudanças climáticas, corremos o risco, em breve, se nada for feito, de entrar em um perigoso ciclo vicioso. A falta de vegetação urbana leva a mais ilhas de calor e a eventos climáticos extremos, que provocam maior queda de árvores descuidadas sobre a fiação aérea —que deveria estar enterrada, e novamente piora a reputação da arborização, trazendo menos investimentos políticos, mais aridez e mais eventos climáticos extremos. E assim por diante.
O que será da metrópole paulistana nos próximos anos, se tivermos tempestades extremas como as do último verão por semanas consecutivas? Como a cidade mais rica do país vai lidar com semanas sem energia elétrica, comprometendo a economia, e até a conservação de alimentos? Será o caos.
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Fonte ==> Folha SP