Em 2024, servidores públicos federais das mais diversas carreiras buscaram diálogo com o governo, levando para a mesa um conjunto amplo de demandas —que incluía desde questões relativas à organização interna da categoria à recomposição salarial. As perdas salariais que, segundo cálculos do Fórum de Entidades Nacionais dos Servidores Federal, podem chegar a um quarto dos salários, acumulam-se há quase uma década, desde que foi instituído o teto de gastos, em 2016.
As negociações foram duras. Delas os servidores saíram com as mãos quase vazias; no geral, o acordo foi enxuto: a “promessa” de uma mínima e fracionada recomposição salarial, a partir de janeiro deste ano. As perdas salariais das classes trabalhadoras e o aumento galopante do custo de vida, agravados por crises as mais diversas, geram por si desconforto e tensão.
Para as categorias mais aviltadas, como os servidores da educação superior, o atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual deste ano trouxe também apreensão no que toca à implementação do esperado reajuste, o que sinaliza o quanto a peça orçamentária impacta a qualidade de vida da população —embora muitos de nós não estejamos atentos a isso.
Considerado apenas em seus aspectos imediatos, o Orçamento público se constitui, como já foi dito, na lei mais importante do ordenamento jurídico, abaixo apenas da Constituição Federal, uma vez que influencia a vida da coletividade. Sim, o Orçamento é um instrumento que evidencia quem ganha e quem perde na sociedade brasileira. É uma fotografia do resultado das relações políticas e econômicas estabelecidas no país, convertendo-se em oportunidade para o questionamento de tais relações de apropriação e dominação.
É um instrumento que gera múltiplas disputas, em arenas em que sobram atores econômicos e políticos, sendo escassos os representantes dos movimentos populares e sociais, embora vivamos em uma quadra histórica em que a participação social na vida política e nos atos da administração pública é, em tese, valorizada.
São disputas encarniçadas, cujos reflexos afetam em cheio a vida da população. De um lado, no campo econômico, os atores da classe dominante se negam a pagar tributos na devida proporção. Impõem, também, limites para os gastos públicos, tanto em investimentos —que favoreceriam o desenvolvimento das estruturas produtivas do país, desencadeando benefícios múltiplos, como empregos de maior qualidade e fortalecimento da classe trabalhadora— como em serviços sociais de qualidade.
De outro lado, a disputa político-jurídica que se instalou com a entrada em vigor da emenda constitucional 86/2015, que institui o chamado orçamento impositivo, concretizou, de modo imperfeito, décadas de discussões no Congresso Nacional e na academia sobre a obrigatoriedade da execução do Orçamento público federal.
Uma verdadeira proposta de orçamento impositivo traz, em seu âmago, o dever de o Executivo implementar os programas previstos na Lei do Orçamento, como caminho para o alcance de uma sociedade livre, justa, solidária, desenvolvida e livre de desigualdades, preconceitos e discriminações (assim previsto na Constituição).
Mas não foi o que ocorreu. Com a mencionada EC 86/2015 e instrumentos supervenientes, o Legislativo perdeu a chance de efetivamente instituir um orçamento impositivo, preferindo defender interesses parlamentares e assegurar a execução de emendas individuais e coletivas, vinculando-as a fins meramente eleitorais e não ao aperfeiçoamento de programas estruturais para o desenvolvimento do país.
Um exemplo dos efeitos daninhos provocados pela equivocada estratégia foi o orçamento secreto, largamente divulgados na mídia.
O que temos assistido é a uma verdadeira reforma no processo orçamentário, para a qual setores representativos dos movimentos populares e sociais não foram convidados. Este, definitivamente, não é o processo orçamentário que queremos. Queremos ser ouvidos sobre as emendas parlamentares, queremos transparência e rastreabilidade, queremos consonância com o Plano Plurianual. Queremos o compromisso com a formulação e execução de um Orçamento voltado ao desenvolvimento estrutural do país e à emancipação do povo brasileiro.
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Fonte ==> Folha SP