Em breve, com a divulgação dos números oficiais do turismo de março deste ano pelo Ministério do Turismo, veremos mais uma avalanche de manchetes celebrando recordes no Brasil: voos esgotados, hotéis lotados e relatos entusiasmados sobre estrangeiros deixando muito dinheiro por aqui. Contudo, os dados já disponíveis até fevereiro revelam um padrão preocupante: manipulação ou incompetência na gestão dessas estatísticas?
Considerando as chegadas de turistas internacionais, em janeiro de 2025 houve um aumento de 55% no total, seguido por 59% em fevereiro, sempre em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Ao desmembrar os dados, notamos que o crescimento de turistas argentinos foi de 92% e 116%, e que as entradas por vias rodoviárias (especialmente em automóvel, próprio ou alugado) subiram 107% e 131%.
A maioria dessas entradas ocorreu pelos estados da região Sul. Faltam dados oficiais claros sobre rotas e tempo de permanência, mas é provável que muitos desses visitantes “celebrados” sejam apenas argentinos em viagens rápidas para compras básicas —motivados não por campanhas turísticas brasileiras, mas pela valorização do peso argentino. Continuam sendo turistas, tecnicamente, mas podem nem se hospedar ou gastar em restaurantes e passeios.
Observando outros países, notamos que os turistas vindos do Paraguai aumentaram 4% em janeiro e 15% em fevereiro; do Uruguai, 27% e 18%; da Bolívia, 5% e 18%. Entre países sem fronteiras terrestres, destacam-se os crescimentos do Chile, com 34% e 13%, e dos Estados Unidos, com 32% e 33%.
Mas o absurdo salta aos olhos ao observarmos países como Costa Rica, Israel e, especialmente, Venezuela. Os desembarques da Costa Rica cresceram 108% em janeiro e 66% em fevereiro. Israelenses nos brindaram com um aumento de 218% em janeiro e 303% em fevereiro —mas são os venezuelanos que parecem verdadeiramente apaixonados pelo Brasil: incríveis 1.028% de aumento em janeiro e outros 1.003% em fevereiro. Ou há uma revolução turística acontecendo sem que saibamos ou estamos diante de números inflados por descuido ou má-fé.
Em volume total, os números desses três países são baixos, mas as variações exageradas exigem explicações do Ministério do Turismo. Atualmente, os dados são trabalhados em um acordo tripartite: a Polícia Federal coleta os dados, o Ministério do Turismo os ajusta segundo metodologia secreta e a Embratur faz a divulgação.
Mas por que manter essa metodologia em sigilo? O que impede o Ministério do Turismo de explicar como manipula esses números? A ONU Turismo recomenda incluir os “nacionais residentes no exterior”, já que sua fonte de renda é externa ao país visitado, e sua viagem à terra natal é considerada turismo.
O problema é que o ministério não explicita como esse cálculo é feito —e na base da Polícia Federal é difícil identificar quem é, de fato, considerado turista. Quem ganha com essa falta de transparência?
Sem respostas claras, esses números, além de se tornarem irrelevantes, alimentam desconfiança e revelam incapacidade —ou falta de vontade— de conduzir uma política séria e responsável.
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Fonte ==> Folha SP