No início da década de 1930, a Sociedade Paulista de Terrenos e Construções Sumaré, utilizando o modelo de negócio da Companhia City, loteou uma extensa área verde na zona oeste de São Paulo distribuída entre colinas e situada em um dos pontos mais elevados da cidade, a 830 metros de altitude, que se conecta com o chamado espigão da avenida Paulista.
Essa área é hoje o bairro do Sumaré, um dos mais aprazíveis da metrópole, que agora tem sua história contada por moradores e pessoas que trabalharam ali e assistiram todas as transformações pelas quais a região passou ao longo de sua ocupação. Um e-book com dez depoimentos de cidadãos com mais de 80 anos acaba de ser lançado como parte da iniciativa “A memória dos bairros de São Paulo pelos 80+”.
Interessante projeto de história oral levado a cabo pela equipe da e-Editora, ele tem como propósito compartilhar a visão dos octogenários com o objetivo de estimular as relações comunitárias, intergeracionais e favorecer a preservação dos bairros pelos próprios habitantes.
“A riqueza cultural está sendo resgatada por histórias protagonizadas pela população mais idosa, que traz a lembrança de outros tempos”, diz Beto Guedes, editor do livro e dono a e-Editora. “O projeto estimula a convivência e o sentido de pertencimento através de experiências em comunidade. Os mais velhos carregam uma memória que está se perdendo com o crescimento imobiliário desenfreado.”
Para contar a história do Sumaré, foram realizadas entrevistas com personagens marcantes do bairro como a comerciante Valvina Duarte, 95, proprietária da famosa padaria Real, uma das principais referências locais. Valvina herdou dos pais a mercearia Difusora, fundada em 1937, e junto com o marido, José Duarte, fez o negócio prosperar até os dias de hoje.
Outro cidadão ilustre do Sumaré que deu seu depoimento foi o frei Alain Hévin, 87, pároco do Santuário Nossa Senhora do Rosário de Fátima, aberto em 1940. “A igreja foi fundamental para o crescimento do bairro”, diz. “Na época em que foi inaugurada não havia quase nada por aqui e ela atraiu muitos imigrantes portugueses.”
Há figuras públicas, como a atriz Karin Rodrigues, 89 anos, viúva do ator Paulo Autran, que também contribuíram para o livro. Ela nunca morou no Sumaré, mas trabalhou em novelas, na primeira metade dos anos 1970, na extinta TV Tupi, que funcionou lá. “O bairro mudou muito, antes parecia uma cidade do interior”, afirma. “Agora está cheio de prédios e as casas, os cachorros e os varais com roupas estão desaparecendo.”
Também fazem parte da publicação os depoimentos de Ronaldo Duschenes, 82, arquiteto e ex-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), filho do também arquiteto Herbert Duschenes e da professora de dança Maria Duschenes, Sylvia Aranha, 94, ex-moradora hoje dedicada a missões religiosas no Amazonas, Dettloff von Simson, 82, imigrante e engenheiro, e Noemi Camerini, 87, protetora do patrimônio ambiental que atuou no último levantamento arbóreo do bairro, promovido pela Associação de Amigos e Moradores do Sumaré (Somasu). Foram contabilizadas 1.291 árvores.
Três dos entrevistados faleceram durante a realização do livro: Maria Helena dos Santos, mulher negra e fundadora da escola de samba Tom Maior, Adalberto Bueno, publicitário e criador da Adalbertolândia, parque infantil construído em terreno próprio e cedido ao uso público, e Sérgio de Castro, jornalista que se dedicou ao trabalho social e à ampliação da estrutura e das atividades do Santuário de Fátima.
Fonte ==> Folha SP