A maioria das aves opta pelo caminho mais fácil quando quer beber água. Mas em Sidney, Austrália, cacatuas-de-crista-amarela (Cacatua galerita) preferem vencer um desafio para isso.
Na cidade, alguns indivíduos dessa espécie descobriram como usar bebedouros públicos. Eles utilizam uma pata para girar a torneira enquanto a outra segura o bico do bebedouro.
Não está claro por que as aves gastam energia nessa tarefa quando há muitas fontes de água acessíveis nas proximidades. Uma explicação possível é que operar os bebedouros é simplesmente mais divertido do que beber água de riachos, por exemplo.
“Se não há uma necessidade super urgente e você não está morrendo de sede, então por que não fazer algo que você goste?”, perguntou Barbara Klump, autora de um estudo sobre as aves publicado na última quarta-feira (4) na revista Biology Letters. Ela é ecologista comportamental do Instituto Max Planck de Comportamento Animal na Alemanha.
Não é a primeira vez que cacatuas daquela área são vistas manipulando objetos urbanos de forma inteligente para benefício próprio. Klump e seus colegas também rastrearam as aves abrindo latas de lixo.
“Essas aves parecem estar prosperando em ambientes urbanos”, afirmou Kevin McGraw, ecologista comportamental da Universidade Estadual de Michigan que não esteve envolvido no estudo. Segundo ele, isso poderia ser explicado pela capacidade delas de se adaptarem ao ambiente.
Klump avistou pela primeira vez cacatuas bebendo em bebedouros públicos durante uma pesquisa de campo para outro projeto em 2018. No início, pensou que alguém havia esquecido de fechar a torneira. Mas imagens de vídeo revelaram uma ave segurando a alavanca com mola com a pata para ativar o fluxo de água. Pessoas que trabalham em serviços de monitoramento de vida selvagem disseram à pesquisadora que as cacatuas da região faziam isso há anos.
“Então, é claro, um milhão de perguntas passaram pela minha cabeça”, lembra Klump. Uma delas foi: como elas descobriram isso?
Para checar o que estava acontecendo, Klump e seus colegas marcaram 24 pássaros de uma população de até 150 que vivem em uma reserva no oeste de Sydney. A equipe instalou câmeras em frente aos bebedouros para flagrá-los em ação.
As cacatuas tentaram usar os bebedouros mais de 500 vezes em 44 dias de filmagem. Cerca de 70% dos pássaros marcados tentaram utilizar os bebedouros, um indício de que provavelmente já vinham adotando esse comportamento há algum tempo. Mas menos da metade das cacatuas obteve sucesso, sugerindo que a atividade requer uma sequência complexa de habilidades motoras.
De forma semelhante à maneira como os humanos adquirem novas habilidades, as cacatuas provavelmente desenvolveram seus talentos de “hackear” bebedouros por meio de uma combinação de observação mútua e experimentação individual, na avaliação de Klump.
Enquanto os machos das cacatuas eram melhores em abrir tampas pesadas de lixeiras do que as fêmeas conforme estudos anteriores, ambos os sexos demonstraram igual habilidade na operação dos bebedouros.
As cacatuas usavam os bebedouros em horários semelhantes todos os dias, independentemente do clima. Isso sugere que recorrem a eles como uma fonte regular de água, e não apenas como uma alternativa quando as condições são difíceis.
E, embora o comportamento não tenha se espalhado por vários pontos como aconteceu com a tendência de abrir lixeiras, a ecologista comportamental e coautora do estudo Lucy Aplin, da Universidade Nacional da Austrália, disse que moradores de Brisbane também observaram cacatuas usando bebedouros por lá.
Como aves dessa espécie não migram, as cacatuas de Brisbane não poderiam ter aprendido com o bando de Sydney. Isso, de acordo com Aplin, sugere que existe potencial para a “invenção independente do comportamento e disseminação local em outros lugares”.
Andrea Griffin, ecologista comportamental da Universidade de Newcastle na Austrália que não participou do estudo, disse não ter ficado surpresa que as cacatuas tenham aprendido a operar bebedouros. Suas habilidades motoras, atração por novidades e capacidade de observar e aprender umas com as outras as tornam inovadoras naturais.
“Há muitos parâmetros que favoreceriam inovações em uma espécie como essa”, afirmou Griffin.
Agora, Klump e seus colegas estão analisando mais detalhadamente o comportamento das cacatuas, como quanto tempo leva para dominarem a habilidade. Também estão curiosos para saber o que as aves farão a seguir. “Eu adoraria aprender mais sobre o que mais elas têm na manga.”
Fonte ==> Folha SP – TEC