Conrad Shinn, o piloto da Marinha que se tornou a primeira pessoa a pousar um avião no polo Sul, em 31 de outubro de 1956, ajudando a abrir a vasta extensão gelada da Antártida para pesquisas científicas e reforçar os interesses estratégicos americanos durante a Guerra Fria, morreu em 15 de maio em Charlotte, Carolina do Norte. Ele tinha 102 anos.
Sua filha Connie Shinn disse que ele morreu em uma instituição de cuidados. Até fevereiro, ele havia morado em Pensacola, Flórida, desde que se aposentou em 1963.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Shinn, conhecido como Gus, transportou por via aérea vítimas de combate no Pacífico. Ele foi então designado para uma estação aérea naval em Washington, mas transportar almirantes e amigos do presidente Harry S. Truman não satisfazia seu desejo por aventura.
Quando uma pessoa perguntou se ele queria ir à Antártida, Shinn respondeu que sim, sem saber quase nada sobre o extremo sul do mundo.
“Era apenas um lugar para ir”, ele afirmou à historiadora Dian Olson Belanger para um projeto de história oral em 1999.
Em 1946 e 1947, Shinn realizou missões de mapeamento fotográfico sobre a Antártida em uma expedição chamada Operação Highjump. Ele retornou entre 1955 e 1958 para uma série de expedições chamadas Operação Deep Freeze.
Desta vez, ele e outros seis homens da Marinha a bordo de seu avião se tornaram as primeiras pessoas a pisar no polo Sul em mais de quatro décadas e as primeiras a fazê-lo por via aérea.
O explorador norueguês Roald Amundsen chegou em 14 de dezembro de 1911 de trenó puxado por cães. Seu rival britânico Robert Falcon Scott desembarcou lá um mês depois, em 17 de janeiro de 1912, tendo viajado por meio de trenós motorizados, transporte puxado por cães e cavalos, e a pé. Scott e outros quatro membros de sua expedição morreram em condições adversas durante a viagem de retorno.
Shinn descreveu um bom piloto como alguém confiante, mas que conhecia suas limitações. A segurança para ele era uma preocupação primordial, de acordo com sua família, às vezes ao extremo. Sua filha Diane Shinn contou que ele a fez usar um capacete de motocicleta no carro enquanto a levava da faculdade em Greensboro, Carolina do Norte, para sua casa em Pensacola em 1973. O motivo: preocupação com trechos de estradas de pista dupla. Ele também usava um.
“Parecia que estávamos em um cockpit”, lembra Diane, rindo, em entrevista concedida na semana passada.
A Operação Deep Freeze foi um esforço colaborativo entre 40 nações para conduzir estudos científicos que se estendiam do polo Norte ao polo Sul. Na Antártida, a missão era estudar o clima, a atividade solar, a abundância mineral, o campo magnético da Terra, as geleiras e os oceanos.
Havia também ansiedades militares naqueles primeiros anos da era nuclear. Em meio a preocupações sobre um possível ataque da União Soviética aos Estados Unidos através de um dos polos, os militares americanos não podiam “se dar ao luxo de perder uma oportunidade de avaliar o continente antártico como um posto avançado estratégico em tempo de guerra”, escreveu o contra-almirante George J. Dufek sete meses antes de se juntar a Shinn como oficial comandante no desembarque no polo Sul.
Em 31 de outubro de 1956, Shinn, Dufek e outros cinco homens da Marinha fizeram o voo de sete horas da Estação McMurdo na Antártida até o polo a bordo de um R4D-5L Skytrain, uma versão militar bimotor do comercial DC-3. Políticas internas afetaram as funções designadas para essa missão extraordinária.
Um capitão a bordo, Douglas Cordiner, ficou tão chateado por não ter sido nomeado copiloto que mais tarde ficou no convés de um navio na Nova Zelândia e “jogou sua biblioteca da Antártida na água”, contou Shinn em sua entrevista de história oral.
O R4D teve seu trem de pouso equipado com esquis e foi acompanhado por um avião de carga C-124 Globemaster da Força Aérea que sobrevoava a área. Maurice Cutler, então um correspondente da United Press de 18 anos proveniente da Austrália que se juntou a outros repórteres no avião de carga –que tinha rodas mas não esquis–, disse em uma entrevista que paletes com equipamentos de sobrevivência seriam lançados de paraquedas caso o avião de Shinn não conseguisse decolar do polo.
O pouso, fotografado de cima por Cutler, não foi excepcionalmente difícil. Shinn pousou seu avião às 20h34 durante luz solar contínua sobre cristas varridas pelo vento em uma desolada camada de gelo a quase 3.000 metros acima do nível do mar. A temperatura era de 50ºC negativos.
Dufek plantou uma bandeira americana, e Shinn manteve os motores funcionando enquanto o avião permaneceu no solo por 49 minutos. Até então, os esquis haviam ficado presos ao gelo.
No ar rarefeito da calota de gelo, o avião movido a hélice, pesando 12 toneladas, não se moveu mesmo com os motores em potência máxima. “Ficamos sentados no gelo como uma velha galinhola”, disse Shinn ao Museu Nacional de Aviação Naval.
Para ganhar impulso, Shinn fez uma decolagem assistida por jato, disparando uma série de pequenos foguetes alojados em recipientes presos à fuselagem. Depois que todos os 15 foguetes foram disparados, o avião levantou voo. “Por pouco”, afirmou ele em uma entrevista de rádio 1 ou 2 dias após o voo.
No final da vida de Shinn, suas filhas disseram que, quando perguntado sobre ser o primeiro piloto a pousar um avião no polo Sul, ele começou a responder: “E o primeiro a decolar”.
Conrad Selwyn Shinn nasceu em 12 de setembro de 1922, em Leaksville, Carolina do Norte, uma pequena cidade industrial desde então consolidada com outras duas.
Seu pai, Thomas Pinkney Shinn, era secretário em uma YMCA local. Sua mãe, Mattie Jane Shinn, cuidava da casa. Conrad foi atraído para a aviação pelos feitos pioneiros de aviadores como Charles Lindbergh, que realizou o primeiro voo solo e sem escalas através do Atlântico em 1927, e Wiley Post, que fez o primeiro voo solo ao redor do mundo em 1933.
Shinn estudou engenharia aeronáutica, ingressou na Marinha em 1942 e, em seguida, formou-se na escola de aviação. Após a guerra, casou-se com Gloria Roberson Carter, uma secretária jurídica. Ela morreu em 2004.
Além de suas duas filhas, Shinn deixa um filho, David; uma irmã, Jean Shinn Hart, que tem 90 anos; e um neto.
Fonte ==> Folha SP – TEC