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Afastamentos sumários de diretores fragilizam a escola pública – 13/06/2025 – Sou Ciência

Um barco está à deriva em um mar revolto. Uma âncora aparece em primeiro plano

Nos últimos meses, diretores escolares das redes estadual e municipal de São Paulo têm sido afastados de suas funções sob a justificativa de “baixo desempenho”. À primeira vista, pode soar para alguns como uma iniciativa moderna e corajosa de gestão. Mas, a um olhar mais atento, o que se vê é a consolidação de uma tendência inquietante: decisões unilaterais, desprovidas de transparência, que atropelam princípios legais elementares — como o contraditório e a ampla defesa — e que ignoram a realidade concreta e desigual da educação pública.

A Constituição assegura que todo servidor público tem direito à ampla defesa e ao contraditório em processos administrativos (Art. 5º, inciso LV). Mas, ao que parece, tais garantias passaram a ser vistas por alguns como entraves burocráticos, e não como pilares do Estado de Direito. Afinal, por que perder tempo com legalidade, escuta ou provas, se temos “indicadores de desempenho” prontos e planilhas bem formatadas?

A figura do diretor escolar, por vezes caricaturada como um gestor ultrapassado, é, na verdade, uma das âncoras da escola pública. É ele quem segura a rotina funcionando diante da escassez de recursos, da alta rotatividade docente, da ausência de apoio técnico e, não raro, da violência que atravessa os muros escolares. Substituí-lo sumariamente, com base em critérios descontextualizados, não é sinal de eficiência: é um gesto de desprezo institucional.

A avaliação de desempenho virou palavra mágica. Basta invocá-la e tudo se justifica, mas quando se observa de perto os critérios, descobre-se uma métrica de produtividade com metas padronizadas e plataformas digitais, aplicadas de forma indiferente às condições materiais, humanas e sociais das escolas. A gestão moderna parece acreditar que as desigualdades desaparecem com o clique certo no painel de controle.

A defesa da meritocracia se converte, assim, num teatro tecnocrático em que os culpados já estão definidos: os profissionais que insistem em permanecer nas escolas públicas, enfrentando os problemas reais sem o verniz da “solução por aplicativo”. Os diretores são bodes expiatórios perfeitos: visíveis, localizáveis, substituíveis e, sobretudo, sem apoio social quando seus direitos são ignorados.

O mais grave é que, ao desmontar as lideranças escolares arbitrariamente, o poder público promove instabilidade, enfraquece vínculos e empobrece o projeto educativo que diz querer melhorar. Educação de qualidade exige continuidade, diálogo, confiança, e não despotismo gerencial mascarado de inovação.

Se a educação pública precisa ser eficiente — quem discorda disso? —, essa eficiência não será alcançada com medidas autoritárias ou fantasias de comando central. O que se precisa é de justiça nos processos, clareza nos critérios e respeito pelas pessoas que mantêm viva a escola pública nas condições mais adversas. O resto é retórica vazia ou, pior, um perigoso populismo tecnocrático.

Antes de endossar políticas que prometem “eficiência” a qualquer custo, vale imaginar o que significaria, para cada um de nós, ver a escola de nossos filhos subitamente sem liderança, sem estabilidade e sob constante ameaça. Só então talvez se compreenda, de fato, o que está em jogo.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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