Um grupo de 63 tradutoras reunidas no coletivo Quem Traduziu divulgou à coluna um manifesto denunciando a situação de “precariedade laboral” e “condições contratuais adversas” que tem sido comum na profissão, em um raro momento de mobilização conjunta de um setor do mercado editorial.
Todo livro estrangeiro vertido ao mercado brasileiro passa pelo trabalho de um tradutor ou tradutora, mas, segundo as signatárias, a profissão não passa perto de ter o devido reconhecimento.
A norma no contrato de tradução, apontam elas, é o pagamento de um valor fixo que não prevê bônus ou renegociação se o livro traduzido tiver novas tiragens, for adquirido por programas governamentais ou ganhar edições com o mesmo texto em outros países de língua portuguesa.
O grupo afirma que atrasos e até calotes no pagamento “não são incomuns” por parte das editoras brasileiras, o que torna ainda mais frágil a carreira na tradução, frequentemente assumida por profissionais liberais que têm outras fontes de renda.
Parte dessa desvalorização é atribuída, no documento, à invisibilidade do trabalho da tradução no país, que não seria suficientemente explicitado por editoras em capas e materiais de divulgação e passaria ignorado por veículos de mídia.
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Além da denúncia, o manifesto traz uma série de reivindicações mais concretas, como o reconhecimento da tradução literária como um trabalho autoral; a revisão do valor pago por lauda, tido como defasado; o pagamento de royalties a tradutores em casos como de autores em domínio público; e a obrigação de renegociar direitos autorais em caso de venda da tradução para outras editoras ou países.
Também demanda “que os direitos de uma tradução sejam revertidos para seu tradutor caso o livro saia de catálogo, a editora feche ou não publique a obra em um período de dez anos” e “que a negociação seja por projeto, e não por lauda, no caso de poesia, obras infantis, juvenis ou com alta complexidade de linguagem”.
A pauta será discutida na Feira do Livro, em São Paulo, numa mesa no dia 21 de junho às 15h30, com as tradutoras Elisa Menezes, Julia Bussius, Ligia Azevedo e Rita Kohl. O documento, cuja íntegra pode ser lida abaixo, foi produzido e assinado por 63 mulheres, mas está aberto a novos adeptos.
TERÁ SIDO O ÓBVIO O escritor Cristino Wapichana, vencedor do Jabuti, está puxando um projeto literário que busca conectar diretamente crianças indígenas de São Paulo com alguns dos principais escritores indígenas do Brasil. A ideia é visitar aldeias Guarani do pico do Jaraguá, por exemplo, e também fazer oficinas de escrita criativa e deixar pequenas bibliotecas ali como legado permanente. O projeto deve durar em torno de quatro meses, e encontros em torno dele acontecem nos próximos dias 18 e 25 na livraria Pé de Livro, na Pompeia, especializada em obras para crianças e adolescentes.
INÉDITOS O clube TAG Experiências Literárias faz lançamento simultâneo de dois livros importantes em sua edição de junho —”O Desabamento”, que o francês Édouard Louis escreveu sobre seu irmão mais velho e sai no próximo mês pela Todavia; e “O Namorado”, novo de Freida McFadden, autora conhecida por best-sellers como “A Empregada” na Arqueiro. A TAG, que completa 11 anos este mês, tem hoje em torno de 40 mil assinantes.
Veja a seguir a íntegra do manifesto do coletivo Quem Traduziu:
Quem Traduziu: Um Manifesto
A tradução literária é um trabalho autoral, criativo e artístico, que envolve uma série de escolhas e reflete a sensibilidade e a ética de quem traduz. No Brasil, livros traduzidos respondem por parte significativa da produção editorial. Apesar da relevância deste ofício para a sociedade, o cenário para quem traduz é de precariedade laboral, com remuneração defasada e condições contratuais adversas, sem uma política de pagamento de royalties. Em quase todos os contratos, quem traduz cede às editoras, em caráter definitivo, os direitos patrimoniais de sua tradução, não só para o mercado brasileiro, mas por vezes também para todos os países de língua portuguesa. Mesmo que o livro traduzido seja um sucesso de vendas, ganhe novas tiragens e prêmios ou seja adquirido por programas do Governo, quem o traduz não recebe nada além do valor inicial.
Não são incomuns as situações de atrasos no pagamento da tradução e mesmo de calotes, prática inadmissível, que prejudica uma das pontas mais frágeis da cadeia do livro: profissionais que trabalham de forma autônoma, sem garantias nem direitos trabalhistas, precisando com frequência conciliar esse trabalho com outras atividades remuneradas.
No Brasil, quem traduz literatura vive, então, um paradoxo: ser peça-chave da indústria livreira enquanto sofre com a invisibilidade e a desvalorização profissional. Um dos sintomas disso é que pouquíssimas editoras colocam o nome de quem traduziu na capa e com frequência o crédito da tradução não é mencionado na divulgação dos livros.
Diante desse cenário problemático, este manifesto busca apontar caminhos de mudança que contribuam para um mercado editorial mais justo, ético e saudável.
Posto isso, nossas reivindicações são:
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Que a tradução literária seja amplamente reconhecida como um trabalho autoral, conforme a Lei de Direitos Autorais 9.610/98;
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Que o valor defasado da lauda seja revisto, permitindo que a tradução literária seja uma profissão economicamente viável;
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Que o valor da lauda seja corrigido anualmente, de acordo com a inflação;
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Que todos os contratos de tradução sejam discutidos de modo a satisfazer ambas as partes;
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Que seja estipulado um prazo de pagamento na contratação da tradução e que ele seja respeitado;
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Que sejam pagos royalties a quem traduz, além do valor das laudas traduzidas, no caso de obras de autores em domínio público, livros adquiridos por programas governamentais, vendas especiais e após o livro cobrir seus custos;
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Que seja obrigatória a renegociação dos direitos autorais quando a tradução for vendida para outros países de língua portuguesa ou outras editoras brasileiras;
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Que os direitos de uma tradução sejam revertidos para seu tradutor caso o livro saia de catálogo, a editora feche ou não publique a obra em um período de 10 anos;
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Que a negociação seja por projeto, e não por lauda, no caso de poesia, obras infantis, juvenis ou com alta complexidade de linguagem;
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Que seja remunerado o trabalho de curadoria, quando quem traduz pesquisa e apresenta às editoras novas obras;
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Que quem traduziu receba o texto final após a etapa da preparação, com prazo razoável para revisá-lo;
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Que o nome de quem traduziu conste na capa e que o crédito da tradução seja mencionado em todos os materiais de divulgação produzidos pelas editoras;
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Que jornais, revistas e plataformas digitais de difusão literária adotem a cultura de informar em suas publicações quem traduziu o livro citado.
Convidamos mais pessoas que traduzem literatura a assinarem e divulgarem este manifesto e esperamos que toda a comunidade leitora, jornalistas, formadores de opinião e, especialmente, as casas editoriais participem deste debate a favor da tradução literária. A melhoria nas condições de trabalho se traduzirá, certamente, na melhoria da qualidade dos livros, beneficiando a todos, sobretudo leitores e leitoras.
Veja aqui quem já assinou e apoie o movimento você também!
Coletivo Quem Traduziu
Alison Entrekin
Ana Guadalupe
Andréia Manfrin Alves
Ángela Cuartas
Ayelén Medail
Bruna Beber
Camila de Moura
Carolina Selvatici
Clarissa Growoski
Claudia Abeling
Cláudia Soares Cruz
Claudia Tavares Alves
Debora Fleck
Débora Landsberg
Elisa Menezes
Ellen Maria Martins de Vasconcellos
Emanuela Siqueira
Eunice Suenaga
Fernanda Akesson Sarmatz
Flavia Lago
Flavia Souto Maior
Francesca Cricelli
Gisele Eberspächer
Julia Bussius
Julia Scamparini
Laura Folgueira
Letícia Mei
Lígia Azevedo
Livia Deorsola
Lucia Sano
Luciana Dias
Luciene Guimarães
Marcela Lanius
Maria Cecilia Brandi
Maria Luisa Newlands
Mariana Delfini
Mariana Holms
Mariana Sanchez
Mariana Serpa
Mariângela Guimarães
Marília Garcia
Marina Vargas Couto
Marina Waquil
Michelle Strzoda
Nara Vidal
Nylcéa T. S. Pedra
Paloma Vidal
Patricia Peterle
Paula Abramo
Prisca Agustoni
Raquel Dommarco Pedrão
Raquel Toledo
Regiane Winarski
Rita Kohl
Roberta Fabbri Viscardi
Sheyla Miranda
Siân Valvis
Silvia Massimini Felix
Sofia Mariutti
Sonia Moreira
Stephanie Borges
Stephanie Fernandes
Teresa Dias Carneiro
Fonte ==> Folha SP