Os estereótipos de gênero seguem sendo uma das barreiras mais persistentes à progressão de carreira de mulheres. Ainda que não se manifestem explicitamente, ao moldar expectativas e percepções, eles minam de forma significativa a trajetória profissional de mulheres, seja reduzindo acesso a recursos e oportunidades de desenvolvimento, seja prejudicando avaliações de desempenho e as recompensas decorrentes delas. Assim, vale reconhecer e compreender como os estereótipos operam para que possamos lidar melhor com as barreiras invisíveis criadas por eles.
O conteúdo dos estereótipos de gênero é bem conhecido. Eles associam a homens e mulheres um conjunto distinto de características. Às mulheres, espera-se que sejam prestativas, empáticas, acolhedoras e sensíveis – traços que remetem a qualidades comunais e relacionais: de gentileza e preocupação com o outro. Já aos homens, atribui-se firmeza, capacidade de comando, independência, ambição e autoconfiança – traços ligados à agência, ou seja, à noção de assumir o controle e buscar resultados.
Vale notar um ponto interessante: tanto os traços comunais como agenciais não são, em essência, negativos. O problema está na forma como são rigidamente atribuídos a homens e mulheres, confinando ambos a um “jeito certo” de ser. Com isso, estes rótulos criam duas armadilhas: uma descritiva sobre o que se presume que mulheres são; e outra prescritiva, sobre o que se espera que elas façam.
Ao operar de forma descritiva, associando certos traços às mulheres e definindo como elas “são”, os estereótipos geram interpretações enviesadas sobre sua compatibilidade com determinadas funções. Por exemplo, por estarem ligadas a traços comunais, mulheres passam a ser vistas como menos equipadas para liderar em contextos de conflito ou pressão, sob a suposição de que teriam dificuldade em se impor ou conduzir negociações duras. Mais que isso, esta percepção distorcida de “falta de fit”, ou de que mulheres “não têm o perfil”, alimenta expectativas negativas sobre sua performance e potencial em algumas posições, comprometendo suas chances (seja de seleção ou promoção) antes mesmo que possam demonstrar seu valor.
A armadilha prescritiva é ainda mais perversa, porque dita expectativas sobre como mulheres devem se comportar, assim como impõe punições quando estas expectativas são violadas. Ou seja, quando uma mulher adota comportamentos “fora do script” – seja porque falha em agir de forma compassiva ou amável, seja porque adota um estilo mais direto de comunicação ou uma liderança mais autocrática ou assertiva – surge o backlash, em que ela passa a ser julgada negativamente. É o famoso duplo padrão: o mesmo tom dominador que em homens é tolerado com uma forma de autenticidade ou “jeito de ser”, nas mulheres é rotulado como “muito agressiva” ou “assertiva demais”.
Juntas, essas expectativas sobre o que mulheres são e o que devem ou não devem fazer as colocam em um lugar restrito demais, como se o papel social imposto pelo estereótipo fosse uma fantasia apertada. Até dá para vestir, mas ela incomoda e limita os movimentos. E, se você tenta se alongar, ela rasga.
Para onde seguir, então? Uma reflexão importante é que ainda que haja, sim, um risco real de backlash e que não deve ser subestimado, ele não é universal ou inevitável. Pesquisas recentes indicam que nem todo comportamento agêntico adotado por mulheres provoca rejeição. O que chamamos de agência não é um bloco único, mas um conjunto de facetas distintas.
Dominância e ambição, por exemplo, tendem, de fato, a gerar reações negativas, sobretudo quando expressas por mulheres, por serem traços socialmente menos desejáveis (ainda que mais tolerados nos homens). Já expressar autoconfiança, competência, independência e diligência, embora também sejam manifestações de agência, não costumam gerar backlashjustamente por serem atributos amplamente valorizados, inclusive quando apresentados por mulheres. Reconhecer estas nuances importa, porque abre espaço para escolhas mais estratégicas, ampliando nossa margem de ação.
A mensagem central aqui, portanto, é: não precisamos nos furtar de explorar diferentes formas de atuar. É fato que a mesma estratégia comportamental que funciona para homens pode provocar reações adversas quando adotada por mulheres. Mas abrir mão de qualquer traço agêntico por medo de rejeição só contribui para tornar ainda mais limitada nossa caixa de ferramentas para liderar.
Em cursos executivos que ministro, já encontrei mulheres com estilos de liderança muito distintos – algumas com preferência por estilos mais assertivos, outras mais relacionais. E como bem sabemos, não há um estilo sempre superior ao outro. O que realmente conta é a versatilidade para alternar entre estratégias, de acordo com as demandas da situação. Ou seja, não é possível se esquivar de ser assertiva em certas situações. O mais importante é fazer uma boa leitura de contexto, que nos permita experimentar com inteligência e ampliar nosso repertóriosem nos expor a riscos desnecessários.
Tatiana para o é professora e pesquisadora de comportamento e liderança no Insper. Coordenadora do Núcleo de Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Doutora em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao longo de sua carreira, atuou como consultora de mudança organizacional, desenvolvendo projetos para empresas nacionais e multinacionais.
Fonte ==> Exame