Search
Close this search box.
Search
Close this search box.

China congela investimentos nos EUA – 01/08/2025 – Igor Patrick

A imagem mostra duas bandeiras: à esquerda, a bandeira dos Estados Unidos, com listras vermelhas e brancas e um campo azul com estrelas brancas; à direita, a bandeira da China, que é vermelha com uma grande estrela amarela e quatro estrelas menores em um canto superior esquerdo. O fundo da imagem é escuro.

A China decidiu congelar todos os novos investimentos empresariais nos Estados Unidos. A medida, revelada na quinta-feira pela agência japonesa Nikkei, suspende indefinidamente as aprovações para empresas chinesas abrirem ou expandirem operações em solo americano, com um bloqueio que vale para aquisições e também para projetos greenfield, isto é, aqueles que começam do zero (incluindo os de pequeno porte que antes exigiam apenas notificação local).

A paralisação vem em meio a um novo capítulo da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo e, por enquanto, não há previsão de reversão.

O impacto econômico direto, é verdade, tende a ser menos devastador do que se imagina no curto prazo. O investimento direto chinês nos EUA já vinha em declínio há quase uma década. Em 2016, no auge da aproximação bilateral, o volume chegou a US$ 46 bilhões de dólares, mas em 2024 foi de apenas US$ 3,2 bilhões.

Mas a força do gesto está então menos no montante e mais no que ele representa. Ao interromper os aportes, a China transforma a forma como historicamente viu o papel de seus investimentos e abandona de vez o princípio de interdependência econômica, antes tratada como antídoto contra tensões estratégicas. O capital, que já simbolizou aproximação entre ambos os lados, agora é símbolo deste distanciamento.

Há razões internas e externas por trás da medida. Do lado chinês, a prioridade tem sido o fortalecimento da autossuficiência tecnológica e o controle do capital privado. Setores como semicondutores, veículos elétricos e inteligência artificial passaram a receber atenção doméstica. Só em EVs, empresas chinesas investiram mais de US$ 30 bilhões de dólares na Europa, mas menos de US$ 7 bilhões na América do Norte, barradas por restrições americanas.

Ao mesmo tempo, Washington vem restringindo a entrada de capital chinês em setores sensíveis. A Lei de Redução da Inflação e o CHIPS Act, ambas do governo Joe Biden, impõem barreiras à participação estrangeira em tecnologia, energia e manufatura. Não há qualquer esperança de alívio nestas searas sobre Trump —ao contrário, a tendência, como temos visto, é piorar.

Os efeitos são mais visíveis em estados americanos com laços econômicos profundos com a China. A Califórnia já recebeu mais de US$ 10 bilhões em investimentos chineses e abriga mais de 100 mil empregos ligados a esse capital. O Texas, bastião republicano, é outro a somar mais de US$ 6 bilhões em aportes, assim como outras regiões bastante expostas a este capital como Nova York, Michigan e Carolina do Norte. Nestes pontos do mapa, o congelamento levará invariavelmente a consequências concretas sobre cadeias produtivas e inovação.

Ainda não chegamos a um ponto de desacoplamento completo que, estudos apontam, poderia custar até US$ 190 bilhões de dólares por ano ao PIB americano. Mesmo assim, a perda de produção e de folha salarial já ultrapassa os US$ 10 bilhões em certos setores e a título de exemplo, a indústria de semicondutores, sozinha, pode perder até US$ 124 bilhões e mais de 100 mil empregos.

É uma mudança de época. O investimento estrangeiro, outrora associado à abertura, à confiança e à promessa de convergência econômica, passa a ser tratado como risco, alavanca ou ameaça. A linguagem do capital já não é neutra (será que já foi?) e o congelamento imposto por Pequim rompe com a lógica do fluxo automático e do interesse mútuo, formalizando um mundo em que o dinheiro também obedece à geopolítica e onde o pragmatismo, até segunda ordem, deixa de ser a regra.



Fonte ==> Folha SP

Relacionados