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Hospitais privados e ONGs são elo importante para cobrir déficit da saúde indígena | ESG

Sidney Klajner, do Einstein: Instituições privadas têm potencial de aprimorar o planejamento de ações e políticas públicas de saúde para melhorar o cenário da saúde indígena — Foto: Egberto Nogueira/Divulgação

Por meio de parcerias com o setor público, o Hospital Israelita Albert Einstein tem expandido sua atuação em regiões remotas do país, com atenção especial a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. A mais recente iniciativa, lançada em junho de 2025, é o projeto “Jornada Materno Infantil e Prevenção do Câncer do Colo do Útero”, realizado junto à Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) no âmbito do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), do Ministério da Saúde.

A proposta é aprimorar práticas assistenciais, ampliar o acesso e reduzir as desigualdades nos cuidados com mulheres e crianças indígenas. “Existem, hoje, indicadores críticos relacionados à saúde dos povos originários”, afirma Sidney Klajner, presidente do Einstein, em entrevista ao Prática ESG.

Ele cita como exemplos o baixo índice de rastreamento do câncer do colo do útero, o que contribui para uma maior taxa de letalidade da doença. A baixa adesão ao acompanhamento pré-natal ou início tardio do cuidado, assim como o atraso no manejo de complicações e situações de risco são outros fatores que contribuem para a elevada taxa de mortalidade materna e infantil, de acordo com o gestor.

Portanto, entre as prioridades hoje, estão a prevenção e tratamento de lesões que podem levar a câncer do colo do útero, a redução de complicações durante e após o período gestacional e, na saúde infantil, a assistência do período neonatal até o primeiro ano de vida das crianças.

“Por meio da colaboração entre SESAI, DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), lideranças de comunidades indígenas e equipe técnica do Einstein, o projeto tem o potencial de aprimorar o planejamento de ações e políticas públicas de saúde para melhorar esse cenário”, aponta Klajner.

No Brasil, a Razão de Morte Materna (RMM) de 2021 aponta 107.53 óbitos por 100 mil nascidos vivos, sendo que o compromisso do país é a redução para 30 mortes/100 mil até 2030. Em nível nacional, as principais causas da mortalidade materna são hipertensão (pré-eclâmpsia e eclampsia), hemorragias graves (principalmente após o parto), infecções (normalmente depois do parto), complicações no parto e abortos inseguros. O número de mortes de mulheres pretas e pardas é o dobro das brancas. No caso das indígenas, não há dados claros.

Durante a 366ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em maio, Marília Freire, presidente do Coletivo Feminista Humaniza, alertou que mulheres indígenas no Amazonas frequentemente não são reconhecidas como tal no sistema de saúde, sendo registradas como pardas. A falta de dados específicos dificulta a formulação de políticas adequadas e compromete o atendimento. Aline de Oliveira Costa, diretora do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência (DAHU), da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (Saes), reforçou que é necessário adotar estratégias diferenciadas, já que a mortalidade materna é maior entre mulheres pretas e indígenas.

Um dos eixos do trabalho na Amazônia é a formação de agentes locais. “Na comunidade do Pimental, por exemplo, a gente treinou um grupo de pessoas da própria comunidade para fazer a escuta ativa, o acolhimento e a orientação básica”, conta o executivo. O programa ensina os profissionais a identificar riscos, como febre e pressão alta em mulheres grávidas A partir disso, conseguem acionar o sistema de saúde e evitar complicações e até a morte de mães e fetos.

Sidney Klajner, do Einstein: Instituições privadas têm potencial de aprimorar o planejamento de ações e políticas públicas de saúde para melhorar o cenário da saúde indígena — Foto: Egberto Nogueira/Divulgação

Outro pilar da iniciativa do Einstein é combater o racismo e o preconceito contra os profissionais de saúde indígena. Isso será feito com programas de letramento das equipes técnicas de campo e escuta ativa para compreender e aprender a valorizar os saberes tradicionais. “Fazemos questão de sentar com os líderes indígenas, de ouvir o que eles esperam. Não é um modelo que vem pronto, é construído junto”, diz Klajner, se referindo ao programa Jornada Materno Infantil, que busca diminuir a mortalidade infantil.

Neste primeiro momento, os esforços da equipe do Einstein se concentram nos , regiões com grande população indígena. No Pará, o projeto começa no povo Kayapó, enquanto no Mato Grosso, o trabalho será no povo Xavante. Além do atendimento, o trabalho, feito em parceria com os DISEIs locais, prevê a formação de profissionais da saúde, inclusive indígenas. Também serão realizadas visitas técnicas e coleta de indicadores nas aldeias. A conclusão está prevista para dezembro de 2026.

Segundo o presidente do Einstein, o trabalho está sendo desenvolvido em parceria com os profissionais de saúde que já atuam nessas regiões, com uma equipe multiprofissional, incluindo médicos dedicados às comunidades. “Trata-se de um projeto com duração de três anos, negociado com o Ministério da Saúde, no valor de R$ 35 milhões. É um investimento significativo, com grande parte destinada a despesas operacionais mesmo”, explicou Klajner.

A fase inicial da iniciativa inclui diagnóstico situacional, ou seja, uma avaliação dos processos assistenciais e linhas de cuidado nas localidades escolhidas para o início do trabalho, além de visitas técnicas, coleta e análise de indicadores. A partir disso, será desenhado, de forma colaborativa, um plano de ação nos DSEIs.

“Temos uma atuação crescente junto a comunidades tradicionais. A gente está muito habituado a entregar assistência de altíssimo nível aqui em São Paulo, mas nosso propósito é ampliar o impacto. E para isso precisamos estar onde o sistema de saúde tem mais dificuldade de chegar”, afirma o presidente do Einstein.

No portfólio de projetos do Einstein viabilizado pelo Proadi-SUS também está o Projeto Vigilância Ambiental e Saúde Indígena (VIGIAMBSI), em parceria com o Ministério da Saúde, que visa desenvolver uma plataforma para integrar dados de saneamento e saúde dos 34 DSEIs do país, com foco em reduzir a mortalidade infantil e melhorar o acesso à água potável.

Além do Einstein, outros dois hospitais de excelência – Sírio-Libanês e Moinhos de Vento – também estão contribuindo com o melhoramento da saúde indígena no âmbito do Proadi-SUS.

“Pela primeira vez, a SESAI conseguiu incluir a saúde indígena no escopo do Proadi-SUS — programa do Ministério da Saúde que permite a hospitais de excelência reverterem parte de tributos em projetos estruturantes do SUS”, comenta o secretário de Saúde Indígena, Ricardo Weibe Tapebaem entrevista ao Prática ESG. “Hoje, temos quatro projetos em execução, com apoio dos hospitais Moinhos de Vento, Sírio-Libanês e Albert Einstein, e o montante de recursos chega a quase R$ 100 milhões”, acrescenta.

O Hospital Moinhos de Ventopor exemplo, foca na capacitação para profissionais indígenas atuarem nos territórios. O objetivo é formar 2.900 agentes indígenas de saneamento (Aisan), profissionais que atuam na promoção da saúde e prevenção de doenças, com foco em saneamento básico e ambiental dentro de comunidades indígenas, além de capacitar 128 técnicos de saneamento. Eles irão atuar nos 34 DSEIs.

Já o Sírio-Libanês desenvolve estratégias de cuidado remoto e atenção a doenças crônicas. Parte importante do trabalho é organizar um fluxo para a entrada dos indígenas nas filas de média e alta complexidades do SUS. Em paralelo, encontrar um modelo de atenção às condições crônicas por meio de soluções digitais.

Segundo o secretário de Saúde Indígenaa pasta é responsável apenas pelo atendimento primário desta população, mas as especialidades são igualmente importantes. “Nossa intenção com este projeto é, de fato, implementar um modelo de atenção às condições crônicas por meio de soluções digitais para a promoção da regulação do acesso à assistência e da atenção secundária ambulatorial. A SESAI só cuida diretamente da atenção primária”, explica.

Além dos programas com os hospitais, para atender as especialidades hoje a SESAI firma parcerias e termos de cooperação técnica com organizações do terceiro setor, como a Médicos Sem Fronteira, Doutores da Amazônia, Expedicionários da Saúde (EDS), entre outras.

“O que nós temos, especialmente no contexto amazônico, são parcerias com algumas entidades que foram criando uma expertise. É uma ação colaborativa e, na maioria dos casos, de voluntariado, porque são serviços fora da nossa atribuição”, conta. Para ele, faz sentido que essas entidades possam ser contratadas para atuar nos territórios e ajudar na assistência às comunidades indígenas do Brasil. “Estamos discutindo como nós vamos atacar esses problemas para seja uma ação governamental (atendimento de especialidades dentro das aldeias), uma ação institucional do governo brasileiro nos territórios indígenas. E que, então, a gente supere essa necessidade de voluntarismo.”

Em julho, a ONG Doutores da Amazônia esteve na aldeia Pykany, na Terra Indígena Menkragnotina região do Xingu, no estado do Pará, Brasil, do povo Kayapó. Em menos de dois dias, quase 200 pessoas entre mulheres, homens e crianças receberam atendimento primário oftalmológico, com doação de óculos de grau, e odontológico.

Em dois dias, foram tratados 688 dentes e distribuídos cerca de 100 óculos. Moradores de outras aldeias também se deslocaram para receber atendimento. “Usamos um produto que mata a cárie e evita novas lesões, mas é preciso retornar para fazermos os tratamentos mais complexos, como canal e extrações, que demandam mais tempo”, explica o dentista Felipe Prandini Teixeira, sobre o uso do medicamento Cavigard. As crianças participaram de atividades educativas sobre escovação e receberam kits de higiene bucal.estados do Pará e Mato Grosso

Desde 2016, a Doutores da Amazônia já levou atendimento médico a 58 territórios indígenas em seis estados, com recursos doados principalmente por empresas. “A maior dificuldade é a falta de regularidade no atendimento. Em algumas regiões, levamos quatro anos para zerar as demandas”, diz o fundador Caio Machado. Segundo ele, a dimensão dos territórios e a dispersão das aldeias desafiam a atuação dos órgãos públicos, reforçando a importância de parcerias com o setor privado.



Fonte ==> Exame

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