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Produção de artigos científicos falsos está aumentando – 07/08/2025 – Ciência

Produção de artigos científicos falsos está aumentando - 07/08/2025 - Ciência

Uma equipe de pesquisadores encontrou evidências de que espécies de “fábricas de artigos” produzem, em uma escala industrial, estudos falsos ou de baixa qualidade. E essa produção está aumentando rapidamente, ameaçando a integridade do conteúdo gerado em diferentes áreas.

“Se essa tendência não for interrompida, a ciência será destruída”, afirmou o cientista de dados Luís A. Nunes Amaral, da Universidade Northwestern (Estados Unidos). Ele é um dos autores do estudo que analisou a atuação dessas fábricas.

O trabalho foi publicado na última segunda-feira (4) na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).

Ao longo dos últimos séculos, a ciência avançou porque as novas gerações puderam ler sobre as realizações das anteriores. Cada vez que um artigo é publicado, outros cientistas podem explorar as descobertas e pensar em como fazer as suas.

“A ciência depende de confiar no que outros fizeram, para que você não precise repetir tudo”, disse Amaral.

Na década de 2010, editores de revistas científicas e organizações de vigilância disseram que essa confiança estava sob ameaça. Eles apontaram a existência de um número crescente de artigos com dados fabricados e imagens adulteradas. Nos anos seguintes, os fatores que impulsionaram esse aumento se intensificaram.

Conforme mais estudantes de pós-graduação foram treinados em laboratórios, a competição por uma quantidade limitada de vagas na área de pesquisa se intensificou. Artigos de alto impacto tornaram-se essenciais para o sucesso, não apenas para conseguir um emprego mas também para obter promoções e financiamentos.

As editoras acadêmicas responderam à demanda criando revistas científicas. “Todos os incentivos são para que as editoras publiquem cada vez mais”, afirmou Ivan Oransky, diretor-executivo do Centro para Integridade Científica, uma ONG que promove a transparência na ciência.



Existem redes enormes que são muito densamente conectadas, nas quais todos estão enviando seus artigos uns para os outros. Se isso não é conluio, não sei o que é

Agora, as fábricas de artigos estão transformando a fraude científica em um negócio lucrativo. Cientistas ansiosos por incrementar seus currículos desembolsam de centenas a milhares de dólares para serem nomeados como autores de um artigo com o qual não tiveram nenhuma relação, segundo a cientista social Anna Abalkina, da Universidade Livre de Berlim (Alemanha), que estuda as fábricas de artigos.

O manuscrito pode ser fornecido à fábrica de artigos por um cientista por um preço; em outros casos, pode ser gerado internamente. Para garantir que eles sejam publicados, as fábricas de artigos às vezes oferecem subornos a editores, de acordo com uma investigação do Centro para Integridade Científica.

Segundo Abalkina, esses artigos são tipicamente repletos de fraudes, com imagens adulteradas ou trechos plagiados. Para tentar escapar de detectores de plágios, as fábricas de artigos frequentemente usam inteligência artificial para alterar o texto que extraem de outros artigos, às vezes incluindo frases bizarras.

Embora as fábricas de artigos tentem manter suas atividades ocultas, Abalkina rastreou a atuação de empresas na Rússia, Irã e outros países, e encontrou milhares de seus artigos publicados. “Você aprende a ver os padrões”, afirmou a pesquisadora.

Amaral e seus colegas analisaram esses padrões. “Tentamos dar uma imagem do que está abaixo da superfície”, disse Reese Richardson, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Northwestern (EUA) e um dos autores do novo estudo.

Para fazer a análise, a equipe de cientistas construiu um banco de dados com mais de 1 milhão de artigos. Eles procuraram o material em fóruns online e no banco de dados do Retraction Watch, mantido pelo Centro para Integridade Científica.

Os pesquisadores compilaram uma lista de 30 mil trabalhos que foram retratados ou continham sinais de terem saído de uma fábrica de artigos. Havia, segundo eles, conexões entre os artigos que sugeriam fortemente que eram produto de fraude em larga escala. Muitas dessas conexões ligavam grupos de editores aos de autores que frequentemente trabalhavam juntos.

“Existem redes enormes que são muito densamente conectadas, nas quais todos estão enviando seus artigos uns para os outros”, disse Richardson. “Se isso não é conluio, não sei o que é.”

Os cientistas encontraram mais evidências de fábricas de artigos ao observar imagens duplicadas. Alguns tinham imagens copiadas de mais de um outro artigo. Mapeando as conexões entre eles, os pesquisadores traçaram redes de milhares de trabalhos. Os estudos de um mesmo grupo tendiam a ser publicados no mesmo curto período de tempo, frequentemente em revistas lançadas por uma única editora.

A melhor explicação que Amaral vê para o padrão dessa rede é que as fábricas de artigos estão criando bancos de imagens que usam para gerar lotes inteiros de artigos, que depois vendem para certos editores. Depois de um tempo, as fábricas de artigos produzem novas imagens e encontram novos alvos.

Os artigos que Amaral e seus colegas puderam estudar vieram à luz apenas devido ao trabalho de investigadores independentes. Para estimar quantos artigos dessas fábricas ainda não foram expostos, a equipe de pesquisadores desenvolveu um modelo estatístico que previu com precisão a taxa na qual artigos suspeitos surgiam. Eles estimam que o número de produtos de fábricas de artigos pode ser cem vezes maior do que aqueles que eles identificaram.

Amaral e seus colegas alertam que a fraude está crescendo exponencialmente. Em seu novo estudo, eles calcularam que o número de novos artigos suspeitos que aparecem a cada ano estava dobrando a cada 1,5 ano. Isso é muito mais rápido do que o aumento de artigos científicos em geral, que dobra a cada 15 anos.

“Já é um problema, e prevejo uma crise”, disse Abalkina.

As evidências coletadas pelo grupo de Amaral apontam que as fábricas de artigos estão seletivamente visando certos campos para publicar trabalhos duvidosos. Artigos sobre uma forma de RNA chamada microRNA e seu papel no câncer eram muito mais propensos a mostrar sinais de possível fraude do que outros campos relacionados ao RNA, como a tecnologia de edição genética Crispr.

Mas Amaral suspeita que as fábricas de artigos no fim voltarão sua atenção para outros campos também. “O risco é que mais e mais áreas da ciência se tornem envenenadas, de modo que nenhum cientista respeitável entrará nelas porque o campo está tão inundado de lixo.”



Fonte ==> Folha SP – TEC

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