Uma análise de resultados colhidos pela sonda InSight, da Nasa, revelou que Marte tem um núcleo interno sólido, contrariando expectativas anteriores. O resultado, que traz tantas perguntas quanto respostas, foi publicado na última edição da revista científica britânica Nature.
Sabemos que Marte é um planeta do mesmo tipo da Terra, essencialmente rochoso, mas em versão menor. Menos massa, menos volume, menos pressão interna, esperava-se que sua estrutura profunda fosse um pouco diferente da terrestre. Mas, ao que parece, não é bem esse o caso.
O novo trabalho tem como primeiro autor Huixing Bi, da Universidade de Ciência e Tecnologia da China, e é baseado em dados colhidos entre 2016 e 2022 pela InSight, primeira espaçonave a instalar um sismômetro no solo marciano desde as antigas sondas Vikings, da década de 1970.
Medindo ondas de choque produzidas pelos terremotos marciano, o dispositivo permite extrapolar a estrutura interna do planeta, uma vez que a velocidade das ondas depende da composição e da consistência do material por onde passa.
As análises originais feitas pela equipe da missão davam pistas do núcleo metálico marciano, mas sugeriam que ele pudesse ser inteiramente líquido, em contraste com o terrestre, que é dividido em duas camadas: o núcleo externo, líquido, e o interno, sólido. O novo trabalho, contudo, verificou um padrão específico de ondas sísmicas que chegou ao sismômetro da InSight entre 50 e 200 segundos antes do que seria esperado se o núcleo fosse puramente líquido (essas ondas atravessam mais rapidamente meios sólidos).
Resultado: a equipe envolvida no estudo, que conta com outros três pesquisadores chineses, além de Douglas Hemingway, da Universidade do Texas em Austin, nos EUA, concluiu que há no coração de Marte um núcleo interno sólido de cerca de 1.230 km de diâmetro (quase 20% do tamanho total do planeta, com seus 6.779 km de diâmetro). Isso oferece um quadro da estrutura interna marciana que é muito mais parecido com o da Terra do que antes se pensava.
Apesar de tão sólido quanto o próprio núcleo, o trabalho traz algumas interrogações. Como ele é baseado em um único sismômetro e em apenas 23 medições de “martemotos”, há uma boa dose de incertezas. De que o núcleo sólido está lá, parece haver pouca dúvida. Mas suas dimensões exatas, bem como sua composição (presume-se que, como na Terra, predominem ferro e níquel, mas pouco mais se sabe além disso), seguem imprecisas, e só mais dados (hoje indisponíveis, já que a InSight não opera mais) poderão melhorar a modelagem e ajudar a compreender por que, apesar dessa similaridade com a Terra, Marte perdeu muito cedo seu campo magnético, enquanto por aqui ele continua ativo e forte por mais de 4,5 bilhões de anos.
O estudo transcende a mera curiosidade geológica em torno de um planeta vizinho. Compreender como Marte se estruturou e como se compara à Terra e a outros planetas rochosos do sistema ajudará a formular uma teoria geral mais abrangente de como nascem e evoluem mundos de tipo terrestre aqui e em torno de outros sóis. Ademais, entender por que Marte não conseguiu desenvolver uma magnetosfera duradoura, capaz de proteger a superfície do planeta de efeitos deletérios de radiação, também ajuda a esclarecer o sucesso singular da Terra na preservação de sua biosfera —fenômeno que igualmente pode se aplicar a outros mundos além do Sistema Solar.
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Fonte ==> Folha SP – TEC