A morte do ativista de direita Charlie Kirk foi comparada à de Martin Luther King. Mas talvez a analogia mais precisa seja com George Floyd, o homem negro morto por asfixia enquanto um policial pressionava seu pescoço com o joelho.
A semelhança entre os dois casos não está apenas na parte do corpo atingida, mas no fato de terem sido eventos públicos, registrados em um tempo em que cada pessoa carrega um smartphone capaz de filmar e divulgar conteúdo em tempo real.
Muitos no Brasil ouviram falar de Kirk pela primeira vez na semana passada. Mas não é exagero descrevê-lo como o segundo nome mais influente do trumpismo —e, entre jovens da geração Z, até mais relevante que o próprio Trump.
O tiro que perfurou sua garganta foi disparado em um campus universitário, diante de mais de 3.000 estudantes —muitos com câmeras ligadas.
Ao comentar o assassinato, Trump culpou a retórica da esquerda radical, acusando-a de incitar o terrorismo ao retratar, nos últimos anos, pessoas como Kirk como nazistas e assassinos. E prometeu usar toda a força de seu governo contra os representantes desses valores.
Diante dessa acusação, vale olhar para os dados, e me corrijam se eu estiver enganado. A maioria dos atentados políticos com vítimas fatais registrados nos Estados Unidos nos últimos anos foram cometidos por extremistas de direita ou por indivíduos sem filiação partidária clara.
Agora temos Tyler Robinson, suspeito de matar Kirk. Sua família é cristã conservadora. Os pais são eleitores do Partido Republicano e possuem armas para caça. Mas ele se distanciou desses valores e, nos cartuchos recuperados, havia frases como: “Ei, fascista! Segura esta!”.
Tyler não é filiado a nenhum partido e não votou nas duas últimas eleições. Amigos o descrevem como alguém que passava horas imerso no mundo virtual, especialmente na plataforma Discord, popular entre gamers. As mensagens encontradas na munição remetem a memes de internet.
O caso ecoa a série britânica “Adolescência”, que retrata ambientes online habitados exclusivamente por jovens. Por isso, o governador de Utah, o republicano Spencer Cox, responsabilizou pelo ataque as empresas de tecnologia, que classificou como “empreendedores do conflito”.
Nos EUA —e também no Brasil—, alguns evangélicos estão descrevendo Kirk como um mártir. O pastor presbiteriano Augustus Nicodemus escreveu no X que este “não é um caso trágico, mas parte da guerra que o mundo trava contra Cristo”.
Não sabemos como Tyler Robinson se radicalizou nem por quê. O caso ainda está sob investigação, e muitos detalhes sobre a motivação do atirador permanecem desconhecidos.
Escrevendo no New York Times, o colunista Thomas Friedman fez um apelo a Trump: “se você tratar o câncer do extremismo político que corrói a alma de nosso país como vindo apenas da extrema esquerda e não também da direita, você destruirá o nosso país”.
O fim não está escrito. Mas cada silêncio ou omissão ajuda a escrevê-lo.
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Fonte ==> Folha SP