Parece que existe uma espécie de cláusula pétrea exigindo que a gente mencione ” ” (ou “Parque dos Dinossauros”, como queiram) toda vez que as palavras “âmbar” e “inseto” aparecem na mesma frase. Lamento decepcionar o leitor que ainda acalenta esperanças de ver dinossauros clonados a partir do DNA achado na barriga de algum mosquito, preservado em âmbar, que sugou a sangue deles: isso jamais vai acontecer. O que não significa que não haja algo de quase mágico no congelamento de criaturas de milhões de anos dentro de pedaços de âmbar, conforme mostra um novo estudo.
Talvez eu tenha colocado um pouco a carroça na frente dos bois, porém, já que nem todo mundo é obrigado a ter mesma obsessão por “Jurassic Park” que a deste colunista. Explico: o tal âmbar, cobiçado como material precioso pela nossa espécie há milhares de anos, antes mesmo da invenção da paleontologia, nada mais é do que resina de árvore fossilizada.
Isso explica porque pequenos animais do passado podem ser quase totalmente preservados por um invólucro translúcido desse tipo: inicialmente, eles foram recobertos pela secreção resinosa enquanto estavam no tronco da árvore, e a cobertura, por sua vez, acabou se fossilizando.
Até agora, as condições necessárias para que esse processo acontecesse não tinham sido registradas durante o Mesozoico (a Era dos Dinossauros) da América do Sul. Isso acaba de mudar com a descrição de uma série de invertebrados encapsulados em âmbar oriundos da Amazônia equatoriana —os dados estão em artigo na revista científica Communications Earth & Environment.
Os responsáveis por identificar os pequenos tesouros foram liderados por Xavier Delclòs, da Universidade de Barcelona, e a equipe inclui ainda Marcelo Carvalho, do Museu Nacional da UFRJ. Os fósseis vêm da camada geológica conhecida como formação Hollín e têm cerca de 110 milhões de anos. É uma idade, aliás, muito próxima de boa parte dos belos fósseis de pterossauros (répteis voadores) e outros vertebrados da chapada do Araripe, no Nordeste brasileiro.
Muita coisa mudou de lá para cá na fauna e flora do planeta, é claro, mas a futura região amazônica do Equador já tinha, desde então, uma floresta tropical para chamar de sua. Logicamente, quantidades apreciáveis de âmbar precisam de florestas para se formar, já que só troncos de árvores vão produzir resina abundante. A mata que existia no Equador naquele momento do período Cretáceo parece ter sido formada principalmente por tias-avós das atuais araucárias, que eram as grandes fontes para a produção do futuro âmbar.
Havia ainda versões primitivas das atuais angiospermas (as plantas com flores, que hoje predominam na maior parte dos ecossistemas da Terra) e uma grande variedade de samambaias e outros vegetais do grupo delas —indicativo razoavelmente seguro de que se tratava de um ambiente úmido. É possível até que os solos ali fossem perpetuamente saturados d’água.
Os insetos e aracnídeos preservados no âmbar da formação Hollín correspondem a seis ordens diferentes, incluindo moscas, besouros, vespas e, num toque ainda mais inesperado de delicadeza, até mesmo pedaços de teia de aranha.
Alguns dos pequenos animais pertencem a grupos que não existem mais, enquanto outros ainda têm parentes relativamente próximos vivos. Pode não soar tão emocionante quanto um dino clonado, mas qualquer fotografia recuperada de um mundo perdido há tanto tempo deveria ser motivo de assombro e celebração.
Fonte ==> Folha SP – TEC