“Gödel, Escher, Bach”, publicado em 1979 por Douglas Hofstadter, é um livro extraordinário. Na superfície é um convite a explorar ideias comuns às demonstrações matemáticas de K. Gödel, às gravuras paradoxais de M. C. Escher e às composições musicais de J. S. Bach. Mas seu objetivo profundo é debater como a consciência de nós mesmos se desenvolve em nossos cérebros.
Com bom humor, transitando entre a popularização científica e a meditação filosófica, ele nos leva em viagem pelos mundos da simetria, da matemática, da computação e da música. Por meio de diálogos e histórias com personagens icônicos, apresenta ideias profundas como a de autorreferência —pense na frase “Esta frase é falsa”, que fala sobre si mesma— presentes tanto na matemática de Gödel e na arte de Escher quanto na música de Bach. Hofstadter sustenta que tais ideias são cruciais para entender como nosso cérebro funciona.
A minha personagem favorita é tia Hilary (“ela insiste em ser chamada de tia, mesmo não tendo sobrinhos!”), uma colônia de formigas cujo melhor amigo é o Tatu. São formigas normais, com inteligência rudimentar e pavor do Tatu (ele se alimenta delas!). Mas tia Hilary é bem diferente, brilhante e expansiva. Ainda mais na presença do Tatu: o pânico das formigas é como a colônia expressa sua alegria em encontrar o amigo. Diferente não quer dizer independente: as decisões de tia Hilary afetam as ações das formigas tanto quanto o comportamento destas influencia a personalidade da colônia.
É uma metáfora que ilustra duas ideias centrais em “Gödel, Escher, Bach”. A primeira é que sistemas complexos desenvolvem funções que dizem respeito ao conjunto do sistema, não fazendo sentido para as partes componentes. A consciência, por exemplo, emana do cérebro como um todo, inclusive da organização e interação neuronal, ela não reside em nenhum dos neurônios.
Sendo assim, precisamente o quê no nosso cérebro gera a consciência? É aí que entra a segunda ideia. O cérebro tem uma estrutura complexa, organizada em diversos níveis hierárquicos, das moléculas até o conjunto do órgão. Esses níveis se influenciam mutuamente, tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima, de tal modo que cada nível acaba agindo sobre si mesmo de formas que lembram “Esta frase é falsa”. Hofstadter defende que esse fenômeno, que denomina “loops” estranhos, é um ingrediente fundamental para a formação da nossa mente.
“Gödel, Escher, Bach” popularizou as relações entre matemática, lógica, cognição, música e arte, inspirando filósofos e cientistas da computação e da cognição. Ganhou o prestigioso prêmio Pulitzer e tornou seu autor uma celebridade. O sobrenome do personagem Leonard na popular série “The Big Bang Theory” é uma das muitas homenagens que ele recebeu.
Outra homenagem, talvez ainda maior no mundo nerd, foi ter sucedido a Martin Gardner quando esse aposentou sua famosa coluna “Mathematical Games” (Jogos matemáticos) na revista Scientific American, em 1981. De modo bem característico, Hofstadter intitulou sua própria coluna “Metamagical Themas” (Temas metamágicos), um anagrama do título de Gardner.
O que eu só soube muito depois é que Hofstadter foi um dia estudante de doutorado em física e deu importante contribuição à matemática. Ainda vamos falar um bocado dele aqui.
Fonte ==> Folha SP – TEC