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Como peixes em aquários – 02/10/2025 – Suzana Herculano-Houzel

A imagem mostra um grande cardume de peixes nadando em águas escuras. Os peixes são predominantemente de cor cinza e estão dispersos em várias direções, criando um efeito visual dinâmico. A luz reflete na superfície da água, destacando a movimentação dos peixes.

Lá se vão dez anos do dia em que Rui Oliveira, neurocientista português especializado em estudar comportamentos sociais de peixes, entrou no pequeno aquário que era o escritório dentro do meu minilaboratório na UFRJ apenas para dizer Oi –e saiu com um projeto de pesquisa em colaboração que a gente ainda não sabia, mas ia mudar como a gente pensa a evolução do cérebro.

O ano era 2015 e eu acabara de descobrir que, entre camundongos de uma mesma idade, indivíduos maiores eram nem-nem: não tinham nem cérebros maiores, nem mais neurônios do que seus parentes menores. Não era por falta de variação individual, pois as três coisas –tamanho do corpo, tamanho do cérebro, número de neurônios– mostravam cerca de 50% de diferença dos menores para os maiores valores. O que faltava era qualquer indicação de conexão entre elas.

Isso era um problema para a teoria vigente que explica a evolução de espécies de animais maiores com cérebros maiores e mais neurônios (uma tríade que é fato, como eu mesma comprovei) por seleção natural. Para a teoria funcionar, é imprescindível que dentre os animais de uma espécie, os indivíduos maiores tenham cérebros maiores com mais neurônios, para servir de base para seleção positiva que, mais para a frente, leve a uma nova espécie, de corpo e cérebro maiores e com mais neurônios.

A alternativa, proposta no artigo de 2015, era evolução não por seleção ao longo de um contínuo, mas por algum tipo de “salto” que mudasse as três coisas –tamanho do corpo, do cérebro, e número de neurônios– de patamar, de uma vez só. Mas antes era preciso verificar se entre outras espécies indivíduos maiores também eram nem-nem.

Quando Rui apareceu no meu laboratório e se apresentou como especialista em cérebros de peixes, então, minha proposta foi imediata: o nem-nem também se aplicaria a peixes? Rui havia descoberto em seu doutorado, 20 anos antes, que tilápias ficam pequenas ou grandes dependendo da densidade em que são cultivadas em seus aquários. Desenhamos ali mesmo o nosso experimento: ele criaria por um ano, em quatro aquários de mesmo tamanho, 15, 30, 60 ou 120 tilápias, para gerar uma variação de tamanho ainda maior do que eu tinha nos camundongos. Magda Teles, então pós-doc dele e agora minha amiga querida, ficaria encarregada de coletar os cérebros e transformá-los em sopa.

Dez anos depois, que incluíram várias revistas recusarem publicação, temos a resposta oficial. Dentro de cada aquário, tilápias maiores até têm cérebros um pouco maiores, mas, como nos camundongos, nenhuma das duas coisas vêm com mais neurônios. Entre os aquários, contudo, cada um se comporta como uma espécie diferente: as tilápias pequeninas criadas com 119 irmãs têm cerebrinhos com poucos neurônios, enquanto as tilápias dez vezes mais pesadas criadas com 14 irmãs têm um cérebro quatro vezes maior com quatro vezes mais neurônios.

Tudo isso porque propiciamos oportunidades diferentes de crescimento em cada ambiente –e os animais fizeram o que puderam com as condições que tinham, sem qualquer tipo de seleção. Imagine, agora, que cada um desses aquários é uma população na natureza, fazendo o que pode com o que tem, e você tem a essência da minha proposta: como a do cérebro, a diversidade da vida pode ser simplesmente uma resposta às oportunidades que a vida encontra.

Referências

Herculano-Houzel S, Messeder DJ, Fonseca-Azevedo K, Pantoja NA (2015). When larger brains do not have more neurons: increased numbers of cells are compensated by decreased average cell size across mouse individuals. Front Neuroanat 9, 64.

Teles MC, Melo GM, Herculano-Houzel S, Oliveira RF (2025) Larger fish have larger brains with more neurons across but not within cohorts raised in diferente growth conditions. J Comp Neurol 533, e70090.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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