Quando se adota um animalzinho, a primeira pergunta que passa pela cabeça é qual será seu nome. Tal fato aconteceu recentemente em minha família ao adotarmos uma cachorra salsicha de pelagem preta. Acostumados com essa raça de cachorro, logo percebemos que era um basset (ou dachshund, como aquele da Cofap) “fake”. Afinal, apesar do corpo comprido e das perninhas curtas, a cachorrinha não tem o focinho alongado ou as orelhas grandes que frequentemente ficam molhadas quando cães dessa raça tomam água.
A discussão sobre o nome, como muitas outras no contexto familiar, tornou-se séria e meu pai declarou que era preciso decidir entre Pitoca ou Iraê.
Percebi que precisava conhecê-la, afinal não seria possível opinar sem saber sua personalidade e características, aspectos essenciais para nomear o que quer que seja.
O novo animalzinho adotado recebeu-me como muitos cachorros normalmente recebem as pessoas que veem pela primeira vez: lambidas, pulos em meu colo e olhos fechados com o carinho recebido. Para mim, estava claro: era carismática, simpática, amorosa, talvez como uma princesa? Por isso, como fã de biografias de personalidades históricas, sugeri Diana, nome que foi acatado como uma outra possibilidade.
Diante de tantas opções, no mesmo dia, meu pai decidiu compartilhar a novidade no grupo da família de uma rede social, agora com seus irmãos.
Após o envio da foto fofa da recente integrante da família, novamente a pergunta foi feita: qual seu nome? As opções foram novamente postas: Pitoca, Iraê e Diana.
Meu tio rapidamente respondeu “Que linda! Pipoca!”
Percebendo que, para si, já escolhera o nome e dando um basta a tanta opinião alheia, meu pai esclareceu que provavelmente se chamaria Iraê.
Se você se perguntou de onde surgiu este nome incomum, especialmente para um espécime de canis lupus, destaco que foi esta a mesma dúvida de meus familiares.
Como não ia facilitar, meu pai logo disse: “Se querem saber, ora, pesquisem no dicionário!”
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Ignorando qualquer orientação, novos nomes foram sugeridos pelos parentes, afinal quem não gosta de opinar em um assunto que nada muda em sua vida?
“Lorane, como uma francesa”, apontou uma irmã, e, em minutos, outros nomes são citados: Madala, Bárbara, Ester, Filomena, Josefina, Clarabela, Joana e Clileide.
Com receio de, no fim, se enrolar no momento de chamar a cachorra, meu pai, o verdadeiro tutor, tomou a mais rápida decisão. “Foi levada à Igreja e o padre batizou de Iraê”, declarou.
Uma outra irmã, atrasada na discussão, ainda tentou sugerir que Pipoca talvez fosse um nome mais fácil de berrar quando o cachorro agisse com desobediência: “Pipoooooooooca.”
Com o descontrole da situação, explicou-se um fato importante para a escolha de “Iraê”. De origem tupi-guarani, significa “doce como mel”, portanto combinava com o jeitinho amoroso e doce da cachorrinha. Como muitas coisas na vida que, se bem explicadas, podem gerar consenso, o nome foi aceito pela comunidade familiar.
“Iraê, quatro letras, sendo três vogais e uma consoante”, observou o novo pai de pet que agora poderia finalmente ter um nome para chamar o animalzinho que corria no quintal.
Curto e simples. Mas não tão simples, destacou meu irmão, descobrindo, enfim, o critério usado na cerimônia da nomeação. Com quatro letras, curto e simples, mas não tão simples, como Cora e Tito, agora sim, os nomes de batismo dos filhos biológicos de meu pai.
Cora Conte é coordenadora e professora de Redação em Campinas (SP), formada em Letras – Português pela Unicamp e Especialista em Língua Portuguesa pela UFMG.
O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br
Fonte ==> Folha SP