Os professores de direito internacional, relações internacionais e economia que iniciaram suas aulas em 2025 enfrentaram um desafio adicional ao explicar as bases de suas disciplinas.
Acostumados a repetir os dogmas da ordem internacional estabelecida no pós-1945, com a ONU e as instituições de Bretton Woods no centro de gravidade e os Estados Unidos como seu principal garantidor, esses acadêmicos, particularmente atentos às mudanças nos fluxos de poder, influência e juridicidade, precisaram incluir em seus cálculos duas variáveis cada vez mais paradoxalmente determinantes: a incerteza e a dúvida.
Hoje, o mercado de analistas oferece visões extremamente antitéticas sobre o estado das coisas: da histeria sobre uma nova ordem mundial à descrição de uma mera turbulência, resultado dos fenômenos que influenciam diretamente as bases da estrutura. Dentre esses fenômenos estão a nova política externa do atual governo dos Estados Unidos, a continuidade das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, a instabilidade e os horrores na Síria, as guerras comerciais entre Ocidente e Oriente, as instabilidades democráticas. A lista não é pequena.
Incerteza e dúvida são palavras que lançam sombras cada vez mais projetadas sobre a ordem internacional em 2025. Mas não se pode confundir o contexto sociopolítico de um certo momento no tempo com a própria ordem. Assim como não se pode esconder uma casa situada sob um monte, não se pode ignorar que há muitos atores interessados na manutenção da ordem atual —inclusive no interior de países supostamente hegemônicos.
Será que a ordem internacional está realmente sob ameaça?
As respostas a essa pergunta são tão variadas e incertas que beiram a subjetividade. No entanto, alguns fatos ainda permanecem. O primeiro deles é que não se deve julgar um povo pelo governo que o representa. As relações entre o povo brasileiro e os povos chinês, argentino, russo e estadunidense, e outros, transcendem o governo temporário em questão, de modo que julgamentos que desconsiderem as relações interpessoais entre as nações ignoram um elemento crucial de análise.
Além do povo, há a história. O tempo, por vezes invisível, tem influência nas relações diplomáticas entre as nações. Cálculos geométricos que avaliam distanciamentos e aproximações apenas à luz do momento atual negligenciam relações que foram moldadas em processos muito mais complexos.
É verdade que a Europa está se rearmando. Também é verdade que muitas situações inesperadas, originadas tanto do Norte quanto do Sul Global, são surpreendentes e indignantes. Os valores democráticos nunca estiveram tão expostos aos relativismos. No entanto, a técnica da cortina de fumaça para encobrir princípios fundamentais é um artifício útil para muitos governos. Mas ainda há reafirmações contundentes dos princípios e valores básicos da atual ordem, estruturada num inafastável multilateralismo. Governos, povos e instituições internacionais ainda não silenciaram. Não se pode confundir ausência de novos andares com o desmoronamento do prédio.
No fim das contas, pode-se pensar que a ordem internacional está sob ameaça desde 1945 e, desde então, encontrou maneiras de se estabilizar. A incerteza e a dúvida são componentes essenciais dessa ordem.
Elas geram maior ou menor indignação quando se observam conquistas mínimas sendo suspensas em atos administrativos. A ordem internacional não está sob ameaça pelas incertezas e dúvidas deste ou daquele governo. Ela estará sob ameaça quando os povos das diferentes nações ignorarem a história e começarem a julgar a parte pelo todo. Aí, sim, sem incertezas e sem dúvidas, as ameaças se concretizarão.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP