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Adaptação climática em energia: quem paga a conta? – 25/03/2025 – Joisa Dutra

Trabalhadores evacuam uma mulher e animal de estimação em área inundada durante enchentes em Porto Alegre

Independente dos ventos geopolíticos que sopram no mundo, as tragédias climáticas no Brasil se acumulam. Enchentes no Sul, secas no Norte, tempestades em São Paulo —todas mais frequentes e intensas. As evidências se multiplicam: estamos no centro de uma emergência climática.

A ONU aponta duas frentes fundamentais de atuação: mitigação (redução de emissões de gases de efeito estufa) e adaptação (resposta aos impactos). Por anos, adaptação foi o “primo pobre” do debate climático. A crença dominante era que mitigar bastaria para evitar o pior. Não funcionou. A realidade impõe outra lógica: adaptar é indispensável.

Nesse contexto, o governo federal abriu consulta pública para os Planos Setoriais de Adaptação, que recebe contribuições até 25 de abril. Em um mundo instável, uma certeza se impõe: o clima está mudando, e precisamos nos preparar para eventos extremos de baixa frequência e alto impacto —os HILF (High Impact, Low Frequency ou alto impacto, baixa frequência). Justamente por serem raros, são difíceis de prever —e ainda mais difíceis de enfrentar e gerenciar. É esse o papel que os planos deveriam cumprir: reduzir a ignorância que leva ao despreparo, ceifa vidas e destrói ativos.

No setor de energia, o plano parte de uma base promissora —nossa matriz é majoritariamente limpa. Mas essa força é também vulnerabilidade: hidrelétricas e biocombustíveis tendem a ser mais afetados pela mudança do clima. Temperaturas mais altas reduzem a eficiência e ameaçam infraestruturas e equipamentos, além de elevar a demanda por eletricidade. O plano identifica dez riscos climáticos prioritários e propõe 35 ações e 17 metas, com foco em garantir oferta, acesso e infraestrutura resiliente, além de uma estrutura de governança.

Apesar disso, há lacunas. Falta clareza sobre como transformar o planejamento. Reconhece-se a necessidade de fazer diferente, mas não se indica o caminho. Resiliência exige lidar com riscos difíceis de prever. É nesse contexto que dados de qualidade, bons modelos e inteligência artificial se tornam aliados indispensáveis. São eles que permitem identificar vulnerabilidades e elaborar estratégias baseadas em risco. Por isso é tão grave que em tempos de inovação e IA o plano fale pouco sobre o potencial tecnológico para ampliar nossa capacidade de antecipação e resposta.

Há outra lacuna: a justiça climática está presente no discurso, mas o plano evita responder a uma pergunta dura: quem paga a conta? Regiões e grupos mais vulneráveis tendem a sofrer mais. O financiamento do setor tem se apoiado mais nos consumidores –via subsídios cruzados que pressionam as tarifas– do que no contribuinte. E isso dificilmente mudará. Em tempos de restrições fiscais, responder a desastres com benefícios generalizados pode ser populismo caro —e ineficaz.

Adaptação precisa passar pelo crivo da racionalidade. É essencial que o setor público e os reguladores definam critérios claros: quais investimentos fazem sentido? Quais são custos-efetivos? Quais entregam a resiliência que vale a pena? Essas perguntas são ainda mais urgentes em um país com déficits de acesso e diante da necessidade de modernizar redes elétricas —espinha dorsal de um futuro descarbonizado.

Há caminhos virtuosos na evolução para o futuro. A descentralização energética alia mitigação e adaptação. Recursos distribuídos —como solar, eólica, baterias e resposta da demanda —aumentam a segurança e autonomia do sistema. Mas precisam caber no bolso. E não podem repetir o modelo de subsídios cruzados mal desenhados de uma Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) que cresceu de R$ 1 bilhão quando foi criada, em 2003, para mais de R$ 40 bilhões em 2025.

A consulta pública é uma oportunidade. A adaptação não é mais opção ou faculdade. Mas ainda falta responder às perguntas centrais: como entregar resiliência —e quem paga por ela?



Fonte ==> Folha SP

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