Em todo o mundo, postes de iluminação, letreiros de lojas e arranha-céus estão jogando luz artificial no céu noturno. E toda essa iluminação extra está levando pássaros a cantar por quase uma hora a mais por dia em média, de acordo com uma análise feita em mais de 4 milhões de gravações de cantos de aves.
“O dia é efetivamente mais longo para esses pássaros”, afirmou o ecologista Neil Gilbert, da Universidade Estadual de Oklahoma (Estados Unidos). Ele é coautor do estudo publicado na última quinta-feira (21) na revista Science.
A poluição luminosa está alterando a vida dos pássaros e outros organismos que dependem do Sol para encontrar alimento e parceiros.
Em média, os pássaros prolongaram seus cantos por 50 minutos nas paisagens mais iluminadas, cantando mais cedo pela manhã e até mais tarde à noite do que seus semelhantes em locais menos iluminados. Aves com olhos grandes, ninhos abertos e comportamento migratório são as mais sensíveis à poluição luminosa.
Para o estudo, Gilbert e o também ecologista Brent Pease, da Universidade do Sul de Illinois (EUA), recorreram a uma biblioteca de vocalizações de aves chamada BirdWeather. Essa plataforma reúne gravações feitas tanto por observadores amadores quanto por ornitólogos profissionais, que captam os sons com microfones por conta própria.
A dupla comparou o momento de um assobio, gorjeio ou pio de 583 espécies de aves normalmente ativas durante o dia com o nível médio de poluição luminosa no local em que estavam, com base em observações de satélite. Os pesquisadores usaram uma rede neural artificial para identificar as espécies que emitiram cantos de março de 2023 a março de 2024.
“Poucos, se é que há alguém, que instalam dispositivos em seus quintais têm ideia de que pessoas como eu e Neil os usariam para pesquisas reais”, disse Pease. Ele mesmo afirmou ter captado o som de alguns “pássaros canoros interessantes” no quintal de sua casa nos arredores de Carbondale, no estado americano de Illinois.
“Os pesquisadores aproveitaram um excelente recurso de monitoramento”, avaliou o ecologista Clinton Francis, da Universidade Estadual Politécnica da Califórnia (EUA), que também estuda o impacto da poluição luminosa nas aves, mas não participou do estudo. O trabalho, a seu ver, é especialmente importante porque fornece evidências generalizadas de mudanças no canto dos pássaros em todo o mundo.
O ecologista Kevin Gaston, da Universidade de Exeter (Inglaterra), que também não esteve envolvido na pesquisa, disse que a maioria dos estudos anteriores sobre os impactos biológicos da poluição luminosa focava só algumas espécies ou alguns locais de cada vez. O novo trabalho, de acordo com ele, é “impressionante na escala dos dados utilizados”.
A abordagem, acrescentou Gaston, apresenta limitações, já que os satélites detectam apenas a luz projetada para cima e os programas de computador podem cometer erros ao identificar cantos de pássaros. “Mas essas restrições são quase inevitáveis em estudos de tão ampla escala”, afirmou o ecologista.
Pesquisas anteriores mostram que aves migratórias dependem da luz no ambiente para saber quando e para onde ir. No entanto, as luzes brilhantes das cidades frequentemente as desviam de seu curso e fazem com que se choquem contra edifícios.
Em alguns locais, a luz emitida por edifícios à beira-mar faz com que filhotes de tartarugas marinhas se afastem do oceano quando, em condições normais, estariam se dirigindo ao mar. Também há os casos em que os postes de iluminação atraem mariposas para longe das plantas que normalmente passariam a noite polinizando. Além disso, nas florestas a luz artificial prejudica o acasalamento dos vaga-lumes.
Os seres humanos também estão sendo mantidos acordados à noite. A luz artificial pode interromper nossos ciclos de sono e tem sido associada a taxas mais altas de câncer.
Para aves que usam chamados para encontrar parceiros, defender território e alertar outros sobre ameaças, o tempo extra gasto cantando durante o dia pode consumir o tempo que seria destinado para descanso à noite.
Mas ser o primeiro a acordar também pode ter suas vantagens. Pesquisas anteriores mostraram que algumas aves expostas à luz noturna encontram mais parceiros e alimentam seus filhotes por mais tempo.
“Inicialmente, ficamos tentados a concluir que ‘ah, isso deve ser ruim’. Acho que estamos pensando em nossas próprias experiências como humanos. Se perdemos uma hora de sono por noite, rapidamente nos desintegramos”, disse Gilbert. “Mas aves e humanos são bem diferentes.”
Diferentemente das mudanças climáticas, que são política e tecnologicamente difíceis de resolver, reduzir a poluição luminosa pode ser tão simples quanto desligar a iluminação externa desnecessária durante a noite.
“É apenas um interruptor de distância”, disse Pease.
Fonte ==> Folha SP – TEC