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Ancestrais do homem mostram que você é o que come – 02/08/2025 – Reinaldo José Lopes

Ancestrais do homem mostram que você é o que come - 02/08/2025 - Reinaldo José Lopes

“Você é o que você come” é um daqueles truísmos que, de modo geral, até fazem sentido (apesar do risco de produzir um transtorno alimentar se a frase for levada a ferro e fogo). É um tantinho assustador, no entanto, constatar que a ideia talvez possa ser aplicada não apenas ao efêmero metabolismo de nossas vidas individuais, mas também aos períodos de centenas de milhares de anos que parecem ter ditado o ritmo da evolução de nossos ancestrais remotos.

Digo isso porque, de acordo com um novo estudo, transformações importantes no organismo dos hominínios (grupo de primatas ao qual pertencem os seres humanos modernos e todos os seus antepassados depois que a nossa linhagem se separou da dos chimpanzés) teriam acontecido a reboque de mudanças na alimentação.

Tais alterações teriam sido primeiro comportamentais –ou seja, os hominínios mudaram sua dieta de forma mais ou menos deliberada, fazendo novas escolhas alimentares– e só bem mais tarde acabaram se refletindo em transformações na anatomia desses ancestrais.

Eu sei, eu sei, essa conversa tem um cheirinho de vingança de Lamarck –sim, aquele naturalista da virada do século 18 para o 19 que defendia a tal herança dos caracteres adquiridos, segundo a qual o esforço da girafa para alcançar as folhas altas das árvores é que teria aumentado o comprimento do seu pescoço de geração em geração. (“Spoiler”: essa era só uma parte muito pequena das ideias de Lamarck.)

Mas os defensores da hipótese “comportamento primeiro, morfologia depois” para a evolução dos hominínios não são discípulos de Lamarck que viajaram no tempo. Liderados por Luke Fannin e Nathaniel Dominy, do Dartmouth College (EUA), eles buscaram corroborar a ideia examinando algo aparentemente nada emocionante: o costume de comer gramíneas –ou capim mesmo, se você preferir.

Em artigo no periódico especializado Science, eles usaram a composição química dos ossos e as características dos dentes de hominínios, e de outros primatas que viveram na África entre uns 4 milhões de anos e 2 milhões de anos atrás, para verificar o que eles andavam mastigando naquela época.

Para muitas espécies de primatas de então, as gramíneas acabaram entrando no cardápio por causa da crescente aridez do continente africano, que foi ceifando as florestas tropicais onde eles costumavam achar os frutos que preferiam antes. E é possível identificar a mudança na dieta pela composição dos ossos porque as gramíneas das regiões tropicais incorporam diferentes formas do elemento químico carbono em seu organismo, numa proporção bem específica, que depois é transmitida aos bichos que as comem.

Essa “assinatura” das gramíneas realmente aparece nos hominínios do período. O mais intrigante, porém, é que a marca do consumo dessas plantas aparece uns 700 mil anos antes que surjam mudanças específicas no tamanho dos dentes molares que facilitam a mastigação mais trabalhosa das gramíneas (como elas desgastam mais a dentição, os molares precisam ser maiores).

Ou seja, a flexibilidade de comportamento, por meio da adoção de uma dieta nova, é que fez com que a seleção natural favorecesse molares cada vez maiores, até a mudança ficar visível no registro fóssil. O efeito lembra o do pescoço da girafa de Lamarck, mas o mecanismo é bem diferente.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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