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Antropologia e arqueologia revelam o que foi ocultado – 06/06/2025 – Sou Ciência

Feixe de luz ilumina uma cena escura, onde aparece uma escavação na terra e alguns escombros

Para as famílias, eles nunca foram apenas números. Mas, durante décadas, foi assim que o Estado tratou os desaparecidos da ditadura — como ossadas anônimas escondidas em uma vala comum do Cemitério de Perus, em São Paulo. Agora, graças ao trabalho rigoroso da ciência e do engajamento de familiares e ativistas, nomes como Denis Casemiro e Grenaldo de Jesus da Silva reaparecem, não como estatísticas, mas como vidas interrompidas pela violência do Estado.

A mais recente identificação dos remanescentes ósseos foi anunciada oficialmente pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por meio do trabalho do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), com métodos de caracterização e identificação anatômica, arqueológica, antropológica e por análises de DNA. Foram anos de resistência e de pesquisas, que continuam, e que permitem que os cientistas concluam, com rigor técnico e responsabilidade pública, um processo iniciado há 45 anos e que agora passa a ter um desfecho.

A origem do CAAF/Unifesp e sua manutenção nos últimos 10 anos têm uma trajetória que precisamos destacar. Criado em 2014, após uma solicitação dos familiares dos mortos e desaparecidos, do governo brasileiro, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, da Prefeitura Municipal de São Paulo e do Ministério Público Federal. Tinha a clara tarefa de cuidar, caracterizar e identificar os desaparecidos da ditadura que estariam entre os remanescentes ósseos encontrados há mais 45 anos na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus — e que nenhuma outra instituição havia conseguido realizar.

Para isso, foi preciso reunir um conjunto de especialistas, um espaço físico adequado e digno para o acondicionamento dos remanescentes, que já sofriam com grande deterioração, e a montagem de laboratórios para o trabalho ante e post mortem, e para o processo de identificação por biologia molecular. Nesse período, também houve e continua sendo empenhado um esforço conjunto para a formação de pessoas nessa área que o Brasil tanto precisava.

A Unifesp enfrentou muitos desafios para a implantação do CAAF, especialmente entre 2014 e 2020, com dificuldades orçamentárias, a pandemia e um governo que não queria dar continuidade a esses trabalhos. Reforça-se aqui a importância de uma universidade com autonomia e que, em parceria com o poder público, pode colocar a ciência a serviço da memória, da justiça e da construção dos pilares da democracia. Adicionalmente, o CAAF hoje é um legado do Projeto Perus que está voltado para a sociedade brasileira e cumpre sua função social a partir dos estudos moleculares de identificação humana dos desaparecidos de ontem e de hoje, não apenas do período da ditadura, mas também das repressões atuais, além de poder atuar em situações de catástrofes.

Trazer a institucionalidade para o CAAF/Unifesp e para o trabalho científico da antropologia e da arqueologia forense abriu avenidas importantes que certamente terão seguimento. Mais uma vez ciência e universidade pública trazendo soluções e, principalmente, o conhecimento que nos protege do obscurantismo e que contribui para uma sociedade mais democrática e justa.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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