Criar uma narrativa visual capaz de multiplicar e eternizar as histórias da comunidade LGBTQIA+ sul-africana é um dos objetivos das fotografias de Zanele Muholi, artista e ativista em cartaz na mostra “Belezas Valentes”, sua primeira exposição individual no Brasil, promovida pelo Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo.
Zanele, que se identifica como pessoa não-binária, define o conjunto de sua obra como um texto visual no qual pessoas de toda a comunidade queer podem dizer “estamos aqui”. E seu trabalho o faz evitando o uso de imagens que remetem à violência, “porque isso já foi feito antes, inúmeras vezes”.
A intenção é comunicar através da beleza de corpos fora do padrão e, assim, eternizar histórias de pessoas que, como Zanele, precisam reivindicar um espaço para ter sua voz ouvida. “Beleza não significa que você tenha que sorrir, mostrar os dentes ou se esforçar mais. Basta existir.”
Para marcar a atemporalidade das histórias que conta e dos debates que quer levantar, a artista prefere o uso de imagens em preto e branco. As cores também marcam presença no trabalho de Zanele, mas tudo depende da intenção de cada obra.
“Estou contando histórias que já aconteceram, mas que continuam a acontecer. E, em preto e branco, a tradução é melhor do que seria em fotos coloridas, porque a cor apresenta o agora. Mas a fotografia em preto e branco fala da atemporalidade e de um tipo diferente de história”, disse.
Com mais de cem obras, entre fotografias, pinturas e uma escultura em bronze, que recebe os visitantes logo na entrada do prédio, a mostra passeia pelo processo criativo da artista.
Logo no início do percurso, um retrato ampliado da série “Somnyama Ngonyama”, iniciada em 2012 e ainda em construção, dá o tom da mostra.
Nas imagens da série, que reúne autorretratos feitos em diversas cidades do mundo, objetos cotidianos, como tapetes, cobertores e almofadas, fazem referência a contextos políticos sul-africanos e à vida da artista.
A palavra em zulu Ngonyama significa leão ou leoa e é também o nome do clã da mãe de Zanele, Bester, que trabalhou como empregada doméstica para famílias brancas na África do Sul. Trazer os objetos cotidianos para dentro de espaços de cultura ao redor do mundo para serem contemplados, afirma, foi uma maneira de evocar a memória da mãe e também de debater o lugar social que as trabalhadoras domésticas ocupam na sociedade.
Na série “Faces and Fases”, iniciada em 2006, a fotógrafa retrata pessoas negras LGBTQIA+ evitando objetificá-las. São casais em momentos de descontração e afeto, sorrisos espontâneos ou olhares penetrantes que a fotógrafa usa para para construir uma espécie de arquivo da comunidade queer sul-africana.
Zanele recebeu jornalistas em uma entrevista coletiva no IMS dias antes da abertura da exposição. “Belezas Valentes” fica em cartaz até dia 22 de junho, de terça a domingo, com entrada gratuita.
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Fonte ==> Folha SP