O aumento do volume de trabalho por causa dos recentes ataques hackers pode fazer com que o Banco Central (BC) adie o lançamento do Pix Parcelado, previsto para este mês, apurou o Valentia. A decisão, entretanto, ainda não foi tomada.
O Pix Parcelado deve padronizar as ofertas do Pix em forma de crédito que já existem no mercado. A ideia é uniformizar a experiência dos pagamentos parcelados e incorporar princípios de educação financeira, além de dar mais transparência na contratação da modalidade. Procurado, o BC informou que essas regras serão divulgadas no segundo semestre deste ano.
No passado, o lançamento de outras funcionalidades do Pix também já haviam sido adiadas. Por exemplo, o Pix Automático, com função similar ao débito automático, tinha a previsão inicial de começar a funcionar em abril de 2024, que passou para outubro e depois para junho de 2025.
Parte da necessidade de adiamento da modalidade parcelada vem do tamanho da equipe da Gerência de Gestão e Operação do Pix (Gepix), que cuida do meio de pagamento no BC e que conta com apenas 33 servidores. Existem ainda outras áreas que trabalham diretamente com o Pix, como o Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos (Deban) e o Departamento de Tecnologia da Informação (Deinf).
Responsável pelo monitoramento do Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI) e do Sistema de Transferência de Reservas (STR), o Deban contava com 23 servidores em números de 2024. No entanto, como esses funcionários não atuam apenas no Pix, é necessário considerar o Full Time Equivalent (FTE), uma forma de medir as horas despendidas em cada atividade. Com isso, o número de servidores dedicados seria calculado a partir de uma divisão por dois, grosso modo. Em termos de FTE, havia outros 17 servidores do Deinf, também em números de 2024, envolvidos nos processos de tecnologia da informação do Pix.
Nesse cenário, a equipe precisou lidar, nos últimos meses, com os ataques que atingiram instituições que se ligam ao Pix. Em julho, o ataque afetou a Software C&M em um desvio que pode ter chegado a R$ 1 bilhão. Já no fim de agosto, a Sinqia também foi alvo de um ataque, e a estimativa é que R$ 670 milhões tenham sido desviados, sendo R$ 366 milhões bloqueados pelo BC. Ambas as empresas são autorizadas a operar como Provedor de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI), que foi objeto de mudanças nas regras na semana passada.
Em 17 de agosto, 31 servidores da equipe do Gepix subscreveram uma carta aberta ao presidente do BC, Gabriel Galípolo, e aos diretores, em que apontam “severas limitações e escassez de recursos humanos e financeiros” que acabam por causar “riscos operacionais crescentes e sem condições necessárias para mitigá-los com a agilidade necessária”.
A carta faz referência ao primeiro ataque e ao incidente de segurança que expôs dados pessoais vinculados a chaves Pix de 11 milhões de pessoas sob a guarda do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O episódio recente que resultou na exposição de um grande volume de dados pessoais e, em outro caso, um desvio de grandes valores, ainda que ocasionados por falhas externas ao BCB, evidenciam a necessidade de reforçar os mecanismos de autorização, monitoramento, controle e supervisão das entidades participantes”.
Marcel Mascarenhas, sócio do Warde Advogados e ex-procurador-geral adjunto do Banco Central, destacou a qualificação da equipe do BC e disse que é possível garantir monitoramento adequado na realidade atual, tanto que a autoridade monetária “tem tido êxito” no bloqueio a ataques cibernéticos e no monitoramento de falhas de segurança em instituições reguladas. No entanto, o advogado mostrou preocupação com as perspectivas para a atuação do BC nessas frentes, se o cenário de baixo investimento continuar.
“Há uma preocupação no mercado com o tamanho dessa equipe e com a disponibilidade de recursos orçamentários para investir continuamente em novas ferramentas de proteção”, disse.
Uma das soluções defendidas na carta do Gepix é a PEC de autonomia financeira do BC, que também é apoiada pela Associação Nacional dos Auditores do Banco Central (ANBCB), além da diretoria da autoridade monetária. Em falas públicas, Galípolo costuma reforçar a necessidade de aprovação do projeto, inclusive para aumentar os investimentos em segurança.
A PEC prevê que o BC se caracterizaria como “pessoa jurídica de direito privado integrante do setor público financeiro, que exerce atividade estatal”. Os servidores deixariam de seguir as normas do Regime Jurídico Único (RJU) e se tornariam empregados públicos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A presidente da ANBCB, Vivian Rosadas, diz que a PEC visa assegurar que o BC tenha recursos e capacidade de gestão. Segundo ela, “são muitos casos” que mostram a fragilidade operacional, riscos à segurança da informação e atrasos em projetos estratégicos. “Não adianta termos regras robustas se não temos pessoas suficientes e com a especialização técnica necessária para verificar se as entidades cumprem as regras”, afirmou.
Há também uma parte dos servidores que é contrária à proposta. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) tem argumentado que a PEC não resolveria o problema. A presidente da seccional Brasília, Edna Velho, defende que a dificuldade de pessoal deveria ser resolvida por concurso público. “O que o BC precisa é de soluções para orçamento dentro do direito público”, afirmou.
Apesar desse debate, a proposta continua parada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. O relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), já emitiu dez relatórios, o último no dia 14 de agosto, mas o governo manifestou divergências em relação ao texto.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse na semana passada que há aspectos da PEC que já estão pactuados entre Fazenda, Casa Civil e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Mas mostrou discordância sobre a mudança do regime jurídico. “Estamos indo bastante longe da maneira correta, mas não vamos fazer dessa pauta institucional uma pauta corporativa”, disse.
Já Galípolo, em coletiva na sexta-feira sobre medidas de segurança, agradeceu o apoio de Haddad e disse esperar que seja possível chegar a um consenso sobre o tema. O presidente do BC também mencionou a escassez de recursos da autoridade monetária e uma necessidade de remanejamento.
Fonte ==> Exame