Tornado réu sob acusação de tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro (PL) exerce e exercerá seu direito à defesa, não apenas no Supremo Tribunal (STF) mas também perante seus seguidores e a opinião pública em geral —como o fez em entrevista a esta Folha.
Longe dos palanques e ciente da gravidade das acusações que terá de enfrentar, o ex-presidente da República busca a moderação ao apresentar sua versão para os fatos. Ainda assim, suas palavras estão longe de descrever uma situação de normalidade.
“Eu conversei com as pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir, o que a gente pode fazer? Daí foi olhado lá, [estado de] sítio, [estado de] defesa, [artigo] 142, intervenção”, é o relato de Bolsonaro para nada menos que discussões internas sobre possibilidades de impedir que se consumasse o resultado da eleição presidencial.
Ele argumenta que todas as opções consideradas estão previstas na Constituição de 1988 —o que é verdade, mas para situações excepcionais de grave perturbação da ordem. E não havia, durante e após a disputa de 2022, perturbação que não fosse insuflada pelo próprio bolsonarismo.
Como consta da denúncia elaborada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-mandatário intensificou a partir de meados de 2021 sua campanha para desacreditar as urnas eletrônicas, culminando na famigerada reunião com embaixadores que o tornaria inelegível posteriormente.
Não havia nem haverá um mísero indício a sustentar a teoria conspiratória. Foi com base nela, entretanto, que Bolsonaro se recusou a aceitar publicamente sua derrota eleitoral e manteve suas falanges mobilizadas em frente de quartéis pelo Brasil, até a infame invasão das sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Esse contexto obviamente não será ignorado no julgamento do ex-presidente, que não arreda pé de seu discurso contra a condução e o resultado do pleito. Depoimentos atestam ainda que os planos para um regime de exceção não foram adiante, em primeiro lugar, por causa da negativa do então comandante do Exército, general Freire Gomes.
É nesse ponto que Bolsonaro, conscientemente ou não, faz observações sensatas. “Para você dar um golpe, ao arrepio das leis, você tem que buscar como é que está a imprensa, quem vai ser nosso porta-voz, empresarial, núcleos religiosos, Parlamento, fora do Brasil. O “after day” [sic, dia seguinte], como é que fica? Então, foi descartado logo de cara.”
Como já apontou este jornal, mostra-se consolidada na sociedade brasileira a ampla preferência pela democracia e pelo Estado de Direito, e as instituições republicanas —entre elas, Judiciário, Congresso Nacional, Forças Armadas— amadureceram e se fortaleceram nas quatro décadas seguintes ao fim da última ditadura militar.
A declaração de Bolsonaro não deixa de ser um reconhecimento explícito, embora tardio, desse vigor democrático.
editoriais@grupofolha.com.br
Fonte ==> Folha SP