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Bolsonaro caiu pela boca de uma mulher – 12/09/2025 – Mariliz Pereira Jorge

Carmen Lúcia, única ministra do STF, durante julgamento que condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão

A Justiça não tem gênero, embora na praça dos Três Poderes ela seja representada por Têmis, a deusa da mitologia grega, que equilibra a balança com a frieza de quem deve ser imparcial. Mas não deixa de ser simbólico que o voto que selou a condenação de Jair Bolsonaro tenha vindo justamente de uma mulher – a única entre os onze ministros do Supremo Tribunal Federal.

Bolsonaro fez da misoginia uma marca de governo. A primeira vítima foi doméstica: chamou a própria filha de “fraquejada”. Depois, espalhou ofensas a mulheres de esquerda, perseguiu jornalistas, esvaziou políticas públicas que atendiam vítimas de violência, reduziu ministérios, cortou recursos. No seu país ideal, mulher é apêndice, é sombra, é bibelô de sala. Mãe que trabalha fora? Que ganhe menos. Não gostou? Que procure outro emprego. A naturalização do rebaixamento feminino sempre foi parte de seu projeto.

Em mais uma fala misógina e homofóbica, Bolsonaro disse que o Brasil não poderia ser um país de turismo gay, mas que “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade”. Transformou brasileiras em moeda sexual diante do mundo. O mesmo padrão se repetiu quando atacou a jornalista Patrícia Campos Mello ao dizer que ela queria “dar o furo”, explorando o duplo sentido do jargão jornalístico com a vulgaridade de sempre. Transformou o ataque em método replicado por sua corja de seguidores que tentaram silenciar mulheres jornalistas por meio de linchamentos virtuais, insultos e ameaças.

E não parou por aí. Em 2021, Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade, um projeto que buscava combater a pobreza menstrual. Meses depois, sancionou um decreto esvaziado, como se estivesse fazendo um favor. O veto original ficou como marca: o presidente que não se importava se meninas faltavam à escola por não terem como comprar um pacote de absorvente.

Num país em que mais de 50% dos lares são chefiados por mulheres, Bolsonaro tentou impor a caricatura da dona de casa submissa, dedicada ao lar e definida exclusivamente pela maternidade. Não por acaso, seu governo foi um dos menos representativos da história e ele fazia questão de mostrar que não se importava. A cena é conhecida: mesa farta de homens brancos engravatados, nenhum espaço para mulheres que ousassem divergir, pensar, decidir.

Mas a história cobra seu preço. O voto final, aquele que virou a chave da condenação, veio de Cármen Lúcia —uma mulher de 70 anos, solteira, sem filhos, independente, bem-sucedida, respeitada. O avesso completo do figurino bolsonarista. Para o universo cafona e misógino que o ex-presidente alimentou, não há nada mais desestabilizador do que uma mulher que não precisa de marido, não precisa de filhos, não precisa de tutela. Uma mulher que fala, decide e, ironia maior, teve nas mãos o destino político daquele que se considerava imbrochável.

Cármen Lúcia não é exceção. É síntese. Representa aquelas que Bolsonaro tentou calar — e foram muitas. Jornalistas interrompidas, deputadas atacadas, ativistas perseguidas, mães desassistidas, cidadãs relegadas ao papel secundário. Todas agora se veem numa cena de justiça: a palavra final coube a quem encarna o que esse projeto político desprezou. Estará nos livros de história que Bolsonaro caiu pela boca de uma mulher.



Fonte ==> Folha SP

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