Entre os itens do Orçamento de maior crescimento, está o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que concede um salário mínimo para idosos com 65 anos e pessoas com deficiência em situação de pobreza. Neste espaço, venho argumentando que esse é um programa de baixo custo-efetividade, que deveria, ao contrário, ter seu escopo reduzido.
De forma breve, o BPC relega as crianças do Bolsa Família a uma situação de pobreza menos importante, já que transfere mais para o idoso ou deficiente, mesmo quando os investimentos nas crianças trazem retornos duradouros. Além disso, as regras do programa geram inúmeras distorções e incentivam fraudes.
O BPC para o idoso pobre estimula a informalidade, já que é possível receber um salário mínimo aos 65 anos sem nenhuma contribuição à seguridade social. O valor do benefício —equiparado ao salário mínimo que é pago para quem trabalha— faz com que muitos busquem recebê-lo mesmo quando não se qualificam para ele, conforme auditoria do TCU. Chama a atenção o número de beneficiários com deficiência, que saltou de 2,6 milhões para quase 3,7 milhões de 2022 a 2025, um aumento de 42% em três anos.
Ainda assim, uma nova expansão do BPC encontra-se em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), que considera incluir mulheres pobres que são vítimas de violência entre os beneficiários do programa. Na decisão de Flávio Dino, há entendimento de que a vítima deve ter direito ao benefício do INSS, seja ele previdenciário, seja assistencial, conforme vínculo com a seguridade social. Para as não seguradas, Dino defende o recebimento do BPC. A decisão final depende dos votos dos demais ministros da corte e está prevista para a próxima semana.
Não há dúvidas de que a violência doméstica seja um problema perverso. Cerca de 7,5% das mulheres reportam terem sido vítimas nos últimos 12 meses. A violência doméstica acontece com uma a cada três mulheres ao longo de toda a vida. Por mais que direcionar recursos para as vítimas possa se mostrar importante, atrelar o benefício ao mínimo, dando a ele características previdenciárias ou assistenciais, não é uma prescrição óbvia.
No país onde o número de beneficiários do seguro-defeso é cerca de quatro vezes maior que o de pescadores artesanais, onde idosos têm aposentadorias descontadas em folha sem consentimento e onde as fraudes ao INSS ocorrem com alguma frequência, os incentivos para que as mulheres pobres pleiteiem um benefício que é muito mais generoso que os demais oferecidos na rede de proteção social ficam dados.
Vale lembrar que uma mulher vítima de violência doméstica passaria a receber mais que o dobro dos recursos que são direcionados a uma mulher com dois filhos no Bolsa Família. Seguindo por esse caminho, é justo concluir que expandir o BPC para as mulheres vítimas de violência torna-se equivalente a indexar o Bolsa Família ao salário mínimo, acabando com os conhecidos benefícios de um programa que transfere mais de acordo com o tamanho da família e a idade dos membros e que entrega importantes serviços de saúde e educação para as crianças pobres.
Com relação ao pagamento de um benefício que pressupõe o afastamento das vítimas do mercado de trabalho —seja na concessão previdenciária, seja na assistencial via BPC—, um estudo recente mostra que essa política pode gerar efeitos contrários ao esperado. Isso porque a perda do emprego e as políticas que protegem a renda, como o seguro-desemprego, afetam a violência doméstica de duas formas distintas. De um lado, o seguro-desemprego reduz a instabilidade financeira da família e os episódios de conflito. De outro, aumenta o tempo de permanência em desemprego, gerando maior exposição ao parceiro no tempo em casa. Compensações financeiras que retiram, ao invés de incluir, as vítimas no mercado de trabalho podem exacerbar a ocorrência de violência doméstica.
Expandir um programa como o BPC para as vítimas de violência doméstica, sem considerar alternativas de maior custo-efetividade, como as que promovem o acesso das mulheres ao emprego, é um uso ineficiente de recursos públicos, que pode, ao contrário, magnificar o problema que se pretende resolver. Considerando que esse seria também o primeiro passo para indexar toda a rede de proteção social ao mínimo e diluir todas as vantagens que programas focalizados possuem, essa é uma direção que deveria ser evitada no julgamento do STF.
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Fonte ==> Folha SP