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Caráter anti-Ocidental do Brics vira armadilha ao Brasil | Opinião

Placas com a expressão "bem-vindo" nas línguas oficiais dos 11 países que integram Brics — Foto: Fábio Motta/Prefeitura do Rio

Placas com a expressão “bem-vindo” nas línguas oficiais dos 11 países que integram Brics — Foto: Fábio Motta/Prefeitura do Rio

Brasil sedia neste fim de semana a cúpula do Brics, num momento em que o grupo capitaneado pelos grandes emergentes vive o desafio de se mostrar relevante. Heterogêneo desde o seu início, o Brics passou por um processo de expansão que dificultou ainda mais a sua capacidade de definir uma identidade e uma agenda comuns. Com os novos membros, ganhou ainda um caráter político mais antidemocrático e anti-Ocidental. Isso é uma armadilha para o Brasil, que deve evitar se associar a posições que ameaçam reduzir, e não ampliar, a influência e a projeção global do país.

O Brics começou, no início do século, como um acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China (sem o “s”), num estudo do banco Goldman Sachs sobre países com grandes populações e economias e com potencial de crescimento acelerado, que poderiam trazer boas oportunidades de investimentos. Juntados assim, casualmente, os quatro países passaram a se reunir num fórum informal até a primeira cúpula, em 2009, na Rússia. Em 2011, a África do Sul participou da segunda cúpula, no Rio, o que já indicou uma intenção política do grupo de representar o mundo em desenvolvimento.

O Brics foi então se estruturando, com instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (chamado informalmente de banco do Brics), com sede na China, que colocou a maior parte do capital. Mas o grupo sempre sofreu para encontrar posições comuns e relevantes em temas globais, devido a interesses díspares e até divergentes dos países-membros. China e Rússia são ditaduras que mantêm relações tensas com o Ocidente, diferentemente de Brasil, Índia e África do Sul. A intensa rivalidade regional entre China e Índia também dificulta consensos. O resultado é que o grupo nunca funcionou como um bloco político ou econômico coerente. Esse problema de identidade se agravou com a expansão, defendida pela China, que levou à adesão de Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Indonésia.

A reunião deste fim de semana, no Rio, é uma demonstração dessa dificuldade. O Brics deveria poder contribuir para a resolução de conflitos globais. No entanto, as três guerras mais importantes em andamento hoje têm a participação direta ou indireta de membros do grupo. Na Ucrânia, a Rússia é o agressor. Em Gaza, o Irã apoia o Hamas, cujo ataque a Israel desencadeou o conflito. E o programa nuclear iraniano, que motivou o ataque de Israel e dos EUA ao país, é um dos mais importantes riscos à segurança global. Sobre essas guerras, o Brics terá pouco a dizer, pois Rússia e Irã vetarão qualquer posição que lhes desagrade.

Não bastasse a falta de protagonismo nesses graves conflitos, o grupo assiste ainda à atuação decisiva dos EUA, que conseguiu forçar um cessar-fogo no Irã após 12 dias de bombardeios. O presidente Donald Trump parece perto também de conseguir mediar uma trégua entre Israel e o Hamas em Gaza. E Washington buscou ativamente um acordo para paralisar os combates na Ucrânia, esbarrando, porém, na falta de interesse de Moscou.

Mesmo temas que vinham ganhando destaque na agenda do Brics nos últimos anos, como o financiamento ao desenvolvimento e a utilização de moedas dos países-membros para o comércio bilateral, o que poderia erodir o papel do dólar americano, ficaram escanteados nesta cúpula. Num momento de atrito com Trump, a China parece pouco disposta a criar mais problemas na sua relação com Washington. O presidente americano já ameaçou retaliar contra qualquer país que busque atuar contra o protagonismo do dólar.

Com a agenda esvaziada, restou à Presidência do Brasil no Brics tentar avançar em temas, sim, importantes, mas menos centrais. Um dos objetivos brasileiros é promover uma parceria em saúde pública, contra doenças da pobreza ou tropicais, como a malária e a dengue, que não são prioridade de pesquisa nos países ricos. Deverá haver ainda menções ao combate à pobreza e às mudanças climáticas, com a esperada cobrança para que os países ricos cumpram com seus compromissos de financiamento.

E não é apenas a agenda que ficou esvaziada. Haverá também um vazio de liderança. O russo Vladimir Putin não participará, possivelmente para não causar constrangimento ao Brasil, devido à ordem de prisão emitida contra ele pelo Tribunal Penal Internacional, que o acusa de crimes de guerra na Ucrânia. Mas a ausência mais sentida será a do presidente chinês, Xi Jinping. A China é de longe o membro mais importante do Brics, e esta será a primeira vez que Xi faltará a uma cúpula. Pequim não ofereceu uma justificativa convincente, o que levantou suspeitas de que o grupo possa estar perdendo espaço entre as prioridades chinesas.

O Brics foi muito importante para o Brasil, pois projetou o país ao associá-lo às potências China, Rússia e Índia. Mas a crescente percepção de um caráter mais antidemocrático e anti-Ocidental no grupo, e uma associação maior aos interesses chineses, ameaça trazer mais problemas do que benefícios ao país. É possível, por exemplo, que a necessidade de manter as boas relações com os parceiros esteja turvando as avaliações e o posicionamento da diplomacia brasileira sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil condenou com veemência o ataque dos EUA que visou exclusivamente a instalações do programa nuclear iraniano, dissociando-se, como observou a revista “The Economist”, da maioria das demais democracias, que apoiaram a ação americana ou apenas se disseram preocupadas com a escalada do conflito. O governo Lula, no entanto, nunca condenou com igual veemência os regulares ataques russos contra a população civil na Ucrânia, nem a ambição explícita de Moscou de ocupar uma parte ou talvez todo o território ucraniano.

Essa ambivalência e a falta de clareza não ajudarão a diplomacia brasileira a recuperar a estatura perdida durante o governo de Jair Bolsonaro, e que continua diminuída neste terceiro governo Lula.



Fonte ==> Exame

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