Em um cenário em que as OSCs (organizações da sociedade civil) são chamadas a desempenhar papéis cada vez mais relevantes na garantia de direitos e na oferta de serviços essenciais, qualificações como a Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) assumem importância estratégica.
Uma certificação que não apenas viabiliza benefícios fiscais, mas também qualifica a atuação institucional das entidades em áreas como saúde, assistência social e educação.
As vantagens do Cebas são concretas: reconhecimento da imunidade às contribuições sociais (como cota patronal do INSS, PIS/Cofins e Contribuição Social sobre Lucro Líquido), acesso prioritário a parcerias com o poder público e maior credibilidade junto a financiadores, órgãos de controle e à sociedade em geral.
No entanto, a obtenção e a manutenção da certificação demandam um nível elevado de comprometimento com a conformidade legal, monitoramento de resultados e transparência na gestão.
Cada área tem exigências específicas. Na educação, por exemplo, é necessário conceder bolsas a um determinado público e em proporção definida em lei. Já na saúde, a atuação deve estar pactuada com o SUS (Sistema Único de Saúde).
Na assistência social, o foco deve ser a atuação de modo gratuito, contínuo, permanente e planejado no atendimento ou assessoramento, defesa e garantia de direitos em linha com o SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Isto está definido na lei complementar 187/2021, no decreto que a regulamenta e nas portarias setoriais dos ministérios, trazendo uma complexa regulação para as OSCs.
Esses requisitos, somados à necessidade de relatórios, controle de metas e documentação rigorosa, impõem às organizações um esforço de adequação e conformidade que envolve desde o corpo técnico até os setores administrativos, contábeis e jurídicos.
Isso leva a uma reflexão: o Cebas garante de fato a sustentabilidade financeira das OSCs? A resposta depende da maturidade institucional de cada entidade. Em muitos casos, o processo de certificação exige mudanças estruturais nas rotinas e na cultura organizacional.
É preciso estabelecer fluxos de informação consistentes, investir em controle de dados, capacitar equipes e alinhar todos os setores, do atendimento direto ao financeiro, para que compreendam que cada ação pode ter impacto tributário e regulatório.
Apesar do desafio, esse movimento, quando feito de maneira consistente, representa a institucionalização de boas práticas, o fortalecimento da governança e a adoção de critérios que ajudam a demonstrar, de forma objetiva, o impacto social gerado pelas OSCs.
Uma organização certificada com o Cebas deve ter este tema tratado como prioridade dentre seu mapa de riscos e suas ações de governança e compliance.
Outro aspecto importante é que a certificação estimula um alinhamento mais direto com as políticas públicas da área de atuação. Ao exigir, por exemplo, a integração com o SUS, o Cebas incentiva as organizações a operarem de forma complementar, e não paralela, ao Estado.
Isso reforça a vocação das OSCs como parceiras estratégicas na construção de soluções coletivas, sobretudo em territórios marcados por desigualdades e fragilidades institucionais.
Naturalmente, há desafios. A legislação aplicável é extensa e sujeita a interpretações. Os processos administrativos podem ser longos, e os critérios, por vezes, difíceis de cumprir para organizações de menor porte.
Por isso, é essencial que o Cebas venha acompanhado de um olhar interdisciplinar e assessoria jurídica especializada visando, principalmente, à internalização de uma cultura de responsabilidade institucional.
O Cebas deve ser visto como um selo de compromisso com a missão institucional e com a entrega de valor social real. É preciso que o próprio Estado fortaleça os mecanismos de orientação e simplificação, e que as organizações se apropriem cada vez mais desse instrumento como uma alavanca de fortalecimento institucional e de reconhecimento público.
Mais do que uma certificação, o Cebas é um convite à profissionalização, transparência e afirmação do terceiro setor como pilar essencial na promoção dos direitos sociais. Cabe a nós, operadores do Direito, gestores e dirigentes de OSCs assegurar que esse processo se desenvolva com eficiência, coerência e justiça.
Fonte ==> Folha SP