Passei três semanas na China, visitando universidades para proferir palestras e firmar acordos de cooperação científica. Considero que estreitar a cooperação com a China é uma prioridade estratégica para a nossa ciência, um ponto de vista compartilhado pelo governo brasileiro.
Apesar da gentil hospitalidade dos colegas chineses, a adaptação à vida na China pode ser complicada para um visitante ocidental. Compreensivelmente ressabiado pelo histórico de “presentes envenenados”, como o vício do ópio que as potências europeias promoveram ativamente na China no século 19, o governo chinês vê com suspeita quaisquer ferramentas digitais que não controla e que, por isso, poderiam se tornar vulnerabilidades para o país. Aplicativos populares no ocidente, como o WhatsApp e o Google, estão banidos, e o uso das principais bandeiras ocidentais de cartões de crédito também está severamente restringido no país.
No seu lugar, todo mundo na China usa o WeChat, uma combinação de WhatsApp, Pix, Google Pay, Gov.br e muito mais, que tem mais de um bilhão de usuários. Os críticos apontam, corretamente, que o WeChat localiza o seu usuário, permitindo ao governo chinês saber em tempo real onde se encontra cada um de seus cidadãos. Os defensores observam que o mesmo vale para a maioria dos aplicativos de celular e que, pelo menos, nenhum chinês corre o risco de perder seu cartão de crédito por aplicação da Lei Magnitsky…
A mim, o que mais me interessa na China são suas universidades e tudo que podem ensinar às nossas. Cercados, com controle de entrada/saída, e arborizados, os campi universitários que visitei são locais seguros e aprazíveis para trabalhar ou passear a qualquer hora do dia ou da noite. Os alunos e muitos professores residem no local, o que também atrai serviços básicos como restaurantes, supermercados e lavanderias, fazendo de cada campus uma genuína “cidade universitária”. Centenas de bicicletas de uso gratuito para alunos, professores e funcionários facilitam o deslocamento dentro e fora do campus. E a administração não vê problema em investir em “luxos” como paisagismo, prédios bonitos e hotéis de bom nível para hospedar visitantes.
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O processo seletivo para as melhores universidades é muito competitivo e, tanto quanto entendi, está baseado apenas no desempenho acadêmico. Ainda assim, e mesmo cobrando anuidade (algumas centenas de dólares), as universidades chinesas são inclusivas como poucas instituições no Brasil podem ser. A oferta de moradia e alimentação de qualidade, a custo reduzido, garante que nem a condição socioeconômica nem a origem geográfica sejam obstáculos a que qualquer estudante talentoso ingresse no curso desejado. Até porque os estudantes de baixa renda recebem auxílios adicionais, na forma de bolsa de estudo ou de empréstimo universitário sem juros.
Igualmente importante, quem visita as melhores universidades na China logo percebe como suas prioridades estratégicas estão estritamente alinhadas com as necessidades do país. Metade de todas as matrículas universitárias no país são em áreas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e a cada ano se diplomam 1,3 milhões de engenheiros, mais do que o total existente no Brasil! Em especial, a formação nas áreas ligadas à revolução digital é de tirar o fôlego. Não é à toa que o PIB da China multiplicou por 15 (em dólar!) do ano 2000 para cá…
Fonte ==> Folha SP – TEC