Há poucos dias, a Justiça paulista determinou o bloqueio e a apreensão de 79 imóveis de um único servidor público, um auditor da Prefeitura de São Paulo, em valores que, segundo o Ministério Público Estadual, podem chegar a cerca de R$ 100 milhões.
Embora tardia, é mais uma decisão judicial, entre dezenas de outras, feitas no âmbito da daquele que talvez seja o maior escândalo de corrupção já encontrado em uma prefeitura brasileira e que ficou nacionalmente conhecido como sendo a “Máfia do ISS”.
Detectado em 2013 pela então recém-criada Controladoria Geral do Município de São Paulo, com subsequente parceria com o Ministério Público, o caso envolveu mais de 400 empresas investigadas, muitas delas de grande porte, dezenas de servidores públicos, bilhões em valores desviados dos cofres municipais, centenas de inquéritos, mais de uma centena de denúncias criminais, uma infinidade de ações ajuizadas contra os envolvidos e inúmeras condenações.
A inovadora estratégia utilizada na investigação baseou-se no uso intensivo de inteligência de dados, na realização de análises financeiras e na aplicação da metodologia “follow the money” (“siga o caminho do dinheiro”).
Somente nos três anos subsequentes à detecção do esquema, R$ 332 milhões em bens de servidores e de empresas foram bloqueados judicialmente, e a arrecadação do ISS em obras em construção cresceu incríveis 67%. Apenas uma única universidade envolvida no caso celebrou um acordo para devolver mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
Mas, talvez, o maior legado dessa ação tenha sido fazer com que o dinheiro da corrupção —e que vem sendo recuperado ao longo de todos estes anos— venha sendo utilizado em ações sociais como forma de, ao menos um pouco, reparar os danos gerados à sociedade. Entre outras iniciativas, os recursos recuperados foram repassados ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, além de projetos nas áreas de saúde, educação e assistência a pessoas com deficiência.
Parte significativa dos valores, com base em ações do Ministério Público, foi destinada à reforma de hospitais e a instituições filantrópicas, incluindo o Hospital Infantil Darcy Vargas, o Hospital do Câncer de Barretos, o Instituto Jô Clemente, o Instituto Protea (especializado em câncer de mama), o Lar da Criança Ninho da Paz e a Casa de David, entre outros.
Sem a criação da Controladoria Geral do Município, é razoável pressupor que o esquema seguisse em operação até hoje, desviando recursos públicos de forma sistemática.
O caso revela que, quando vontade política se alia à competência técnica, os resultados são não apenas visíveis, mas transformadores. É uma prova concreta de que o combate à corrupção precisa ir muito além da retórica. Precisa ser uma ação real, com impacto direto na vida das pessoas.
É também um claro exemplo de como o discurso anticorrupção não pode ser apropriado de forma indevida e oportunista. Pode e deve deixar de ser instrumento de conveniência política ou promoção pessoal e se transformar em ferramenta efetiva de justiça e reparação social.
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Fonte ==> Folha SP