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Como a ‘impressão digital neural’ pode analisar nossas mentes – 05/09/2025 – Tec

Um homem com cabelo cacheado e óculos está segurando um dispositivo em forma de cérebro, colorido de roxo, enquanto se prepara para colocá-lo na cabeça de uma mulher com cabelo longo e liso. O ambiente é moderno, com paredes brancas e equipamentos tecnológicos visíveis ao fundo.

Todos que estão lendo este artigo podem se parabenizar por suas incríveis habilidades e boa sorte. Você é o feliz proprietário da mais notável máquina de processamento do universo: seu cérebro.

Os 1,3 kg de matéria úmida dentro do seu crânio são a rede neural original, muito mais eficiente do que a versão computacional. Enquanto os atuais megacentros de dados consomem quantidades enormes de eletricidade, seu cérebro funciona com apenas 20 watts por dia —energia que você pode gerar comendo um cheeseburger.

Mesmo alimentado por junk food, o cérebro é intuitivamente capaz de fazer coisas que os melhores modelos de IA têm dificuldade em realizar: conceber projetos criativos transformadores; distinguir entre uma sacola plástica e uma pedra em uma estrada; ou detectar ironia, por exemplo.

Mas, em muitos aspectos, os neurocientistas ainda não compreendem totalmente como funciona essa rede de 86 bilhões de neurônios. Avanços recentes em sensoriamento quântico e inteligência artificial estão abrindo novas e promissoras frentes de pesquisa.

No entanto, como tantas vezes acontece, as possibilidades positivas dessa tecnologia vêm acompanhadas do temor de aplicações potencialmente negativas.

Uma das técnicas mais intrigantes de escaneamento cerebral é a magnetoencefalografia (MEG), um método não invasivo de mapear a atividade elétrica do cérebro. A metodologia, no entanto, é complexa, pois exige resfriar sensores supercondutores a -269 °C. Mas o desenvolvimento recente dos magnetômetros de bombeio óptico (OPMs), que dispensam o resfriamento criogênico, permitiu que pesquisadores obtivessem dados equivalentes em 30 minutos por meio de um capacete com 64 sensores.

Com esses scanners, os neurocientistas conseguem criar “impressões digitais neurais” únicas do cérebro de cada indivíduo. Pesquisadores comparam a diferença entre os scanners tradicionais e os dispositivos OPM-MEG à diferença entre observar estrelas com binóculos e com o Telescópio Espacial James Webb.

Matt Brookes, professor de física da Universidade de Nottingham e presidente da Cerca Magnetics —uma startup pioneira no desenvolvimento dos capacetes OPM-MEG— afirma que os aparelhos de ressonância magnética (MRI) usados atualmente são bons para identificar anomalias estruturais no cérebro, como “um buraco, um nódulo ou uma protuberância” que possa ser um tumor.

Já os dispositivos OPM-MEG podem detectar anomalias funcionais, como esquizofrenia, epilepsia e demência. As impressões digitais neurais fornecerão “uma quantidade enorme de dados que será muito, muito útil para nós”, disse Brookes.

Mais de 10 universidades de pesquisa na Europa e na América do Norte já utilizam a tecnologia da Cerca. A empresa também busca aprovação regulatória da FDA (Food and Drug Administration) para registrar seus capacetes como dispositivos médicos, um processo que pode levar vários anos.

O objetivo é criar grandes bases de dados de atividade neural para aprofundar o entendimento de distúrbios cerebrais e melhorar os cuidados médicos. No futuro, sugere Brookes, pacientes poderão ser rotineiramente examinados para sinais precoces de demência, da mesma forma como mulheres já são regularmente rastreadas para câncer de mama.

Mas Brookes também se mostra preocupado com o potencial de a impressão digital neural gerar cenários negativos dignos de ficção científica. Ele especula que em breve poderemos identificar que tipo de criação uma criança teve a partir do exame de sua função cerebral.

O cérebro de crianças de famílias privilegiadas, que se beneficiaram de estímulos experienciais, se desenvolve de maneira diferente em comparação ao de crianças de origens mais desfavorecidas. “É possível imaginar como isso poderia ser incrivelmente útil. Mas também é possível imaginar como poderia ser completamente mal utilizado”, afirma.

Pesquisas paralelas de cientistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles demonstraram como uma interface cérebro-computador não invasiva e vestível pode ajudar pacientes paralisados, lendo sinais cerebrais para mover um braço robótico ou um cursor de computador.

Usando uma técnica diferente, conhecida como eletroencefalografia (EEG), a equipe da UCLA permitiu que pacientes traduzissem pensamentos em movimento, com a ajuda de um copiloto de IA.

Diversas empresas privadas, incluindo a Neuralink, de Elon Musk, estão desenvolvendo interfaces cérebro-computador (BCI) invasivas, implantando eletrodos no crânio. No mês passado, o rival de Musk, Sam Altman presidente-executivo da OpenAI— lançou uma nova empresa chamada Merge Labs para competir com a Neuralink. E a China já sinalizou sua intenção de se tornar líder mundial em tecnologia BCI em até cinco anos.

Ler mentes pode parecer coisa de ficção científica. Mas uma forma muito primitiva disso pode estar se aproximando mais rápido do que pensamos. Exames cerebrais são, com razão, tratados como dados médicos confidenciais e sujeitos a padrões rígidos de proteção. Ainda assim, é de se esperar que o nascente movimento internacional em defesa da chamada liberdade cognitiva ganhe força.



Fonte ==> Folha SP – TEC

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