Em março último, ao comentar a proposta de reforma que busca instituir um Imposto de Renda mínimo para os mais ricos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que os super-ricos estão sobrerrepresentados no Congresso Nacional. A declaração ocorreu em meio ao debate sobre a viabilidade da medida, necessária para compensar a isenção do IR para quem ganha menos de R$ 5.000.
O apontamento de que a representação de super-ricos poderia ser um empecilho à aprovação de medidas mais progressivas é uma percepção manifestada em pesquisas de opinião pública. Em 2023, os dados do Latinobarómetro revelaram que 54,2% dos brasileiros acreditavam que o país era governado por um pequeno grupo de poderosos em benefício próprio, em vez de atender ao bem comum de toda a população.
Mas, afinal, há um problema de super-representação dos mais ricos? Como isso se traduz nas políticas que eles promulgam e defendem?
A afirmação do ministro é consistente com pesquisas que mostram que políticos tendem a vir de origens econômicas mais privilegiadas do que a população em geral. Esse padrão é observado globalmente, e não só no Brasil, independentemente da métrica utilizada (riqueza, renda, ocupação ou educação).
Mais recentemente, estudos descritivos passaram a incorporar não apenas diferenças de ocupações profissionais, mas de gênero, raça e outros marcadores sociais. Contudo, faltam evidências sistemáticas sobre como a trajetória e o background influenciam as tomadas de decisão política, com algumas exceções. Os estudos da área, majoritariamente realizados em países europeus e sistemas parlamentaristas, mostram, por exemplo, que governantes que são empregadores e profissionais liberais, especialmente advogados e banqueiros, são menos favoráveis à redistribuição de renda.
Evidências sugerem que as trajetórias dos políticos não só formam suas crenças e opiniões, mas de fato influenciam as políticas adotadas. Uma pesquisa em 18 democracias parlamentaristas, em um período de 60 anos, demonstrou que gabinetes compostos por profissionais liberais promovem mais cortes em políticas sociais, enquanto gabinetes compostos por profissionais socioculturais tendem a ampliar essas políticas.
Na América Latina, embora mais escassos, trabalhos indicam que o background dos legisladores molda suas opiniões sobre políticas econômicas, o que se traduz em ações que expressam diferenças mais evidentes durante o processo de construção da agenda legislativa do que nas votações finais, onde outros fatores institucionais, como a disciplina partidária, exercem maior influência.
Em síntese, o que essa agenda de pesquisa parece apontar é que a representação desigual é moldada não só na votação final de um projeto, mas no seu percurso, na incerteza e na negociação anterior a ela. Nesse roteiro, trajetória, opiniões e atitudes dos “policymakers” importam para moldar a própria política.
Em 2024, o Núcleo de Direito e Economia Política (Nudep) da FGV Direito SP iniciou um projeto de pesquisa sociojurídica, em parceria com universidades internacionais, para investigar o impacto da trajetória dos formuladores de políticas na concentração de renda. O estudo analisará 50 democracias entre 2005 e 2020, com estudos de caso em quatro países, incluindo o Brasil. No país, o foco será a tributação da renda, atualmente em debate. O objetivo é mapear o processo de formulação dessas políticas e identificar barreiras a iniciativas pró-distribuição.
Se a trajetória dos políticos influencia políticas públicas, garantir representatividade vai além de regular o lobby ou o financiamento privado de campanha. Compreender como essas trajetórias interagem com outras estratégias de influência e de exercício de poder é essencial.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP