O cavalo-marinho pigmeu tem dois centímetros de comprimento e vive em corais no Pacífico. Os corais são venenosos, mas o bicho consegue enrolar sua cauda com segurança em um ramo para se alimentar de pequenos animais que passam por perto.
Algumas espécies de cavalo-marinho pigmeu são rosa, outras são amarelas, cada uma combinando perfeitamente com a espécie de coral que habita. O animal possui protuberâncias em seu corpo que correspondem ao tamanho e ao espaçamento das protuberâncias dos corais. E, em vez do típico focinho de cavalo-marinho, o pigmeu tem um rosto semelhante ao de um cão da raça pug. Seu focinho se assemelha mais a uma protuberância de coral.
Ao imitar tão bem o coral, o cavalo-marinho pigmeu consegue se esconder dos predadores. Por ser imune ao veneno dos corais, ele ganha uma espécie de escudo protetor ao viver entre eles. Cada protuberância de coral abriga um pequeno animal chamado pólipo que mata suas presas disparando arpões venenosos.
Se isso não fosse suficientemente notável, os cavalos-marinhos pigmeus invertem os papéis típicos dos sexos. A fêmea insere os ovos fertilizados no corpo do macho, que carrega os embriões.
A gravidez masculina ocorre em todos os cavalos-marinhos, mas os pigmeus levam isso ao extremo. Um cavalo-marinho macho típico carrega seus ovos em uma bolsa semelhante à de um canguru em sua cauda. Nos pigmeus machos, a bolsa de incubação é mais parecida com um útero, crescendo profundamente dentro da cavidade corporal, próximo aos rins e intestinos. O macho nutre os filhotes com um órgão especial na bolsa que funciona como uma placenta de um mamífero. Quando os filhotes nascem, eles saem do corpo do pai através de uma pequena fenda e nadam para longe.
Como uma criatura tão extraordinária evoluiu? Para entender melhor, uma equipe de cientistas chineses e alemães sequenciou o genoma de um cavalo-marinho pigmeu pela primeira vez.
“Eles são algo estranho e interessante que precisa de explicação”, disse o biólogo Axel Meyer, da Universidade de Konstanz (Alemanha). Ele é um dos autores do estudo, publicado na última segunda-feira (25) no periódico PNAS.
Meyer e seus colegas compararam o DNA de cavalos-marinhos pigmeus com o de outros cavalos-marinhos e peixes mais típicos. Analisando as mutações nas diferentes espécies, os pesquisadores estimaram que os cavalos-marinhos pigmeus se separaram dos de tamanho normal há cerca de 18 milhões de anos.
Algumas das mutações que os cavalos-marinhos pigmeus adquiriram alteraram letras genéticas individuais em seu DNA. Essas alterações, por sua vez, causaram mudanças na forma de certas proteínas, incluindo aquelas que são ativas no sistema nervoso do cavalo-marinho.
Meyer e seus colegas suspeitam que essas mudanças impediram que o veneno do coral se fixasse nas células nervosas dos cavalos-marinhos pigmeus. O animal, assim, evoluiu para ser imune.
A evolução também pode ocorrer quando genes antigos aprendem novos truques. O DNA animal contém milhões de sequências curtas que as proteínas podem agarrar para ativar ou desativar genes próximos. Quando esses interruptores genéticos sofrem mutações, os genes podem se ativar em resposta a novos sinais.
As protuberâncias nos cavalos-marinhos pigmeus, que são diferentes de qualquer coisa encontrada em outros cavalos-marinhos, parecem ter surgido dessa maneira. No novo estudo, os pesquisadores descobriram que as células nas protuberâncias usam genes que normalmente estão ativos no cérebro, olhos, rins e outros órgãos.
Mas o mais impressionante foi quanto DNA havia desaparecido do genoma do cavalo-marinho pigmeu –o DNA pode desaparecer ao longo de gerações quando mutações eliminam centenas ou milhares de letras genéticas de uma vez. Meyer e seus colegas descobriram que os cavalos-marinhos pigmeus perderam 438 genes inteiros que são encontrados em outros cavalos-marinhos. Outros 635 genes perderam DNA suficiente para deixarem de funcionar, e 5.135 genes perderam interruptores genéticos próximos, de modo que não se ativam mais em resposta a certos sinais.
Essas perdas levaram a muitas das características mais distintivas nos cavalos-marinhos pigmeus, segundo os cientistas. Por exemplo, provavelmente não é coincidência que muitos dos genes e interruptores genéticos perdidos estejam envolvidos no crescimento das células, incluindo o crescimento do focinho do cavalo-marinho.
O efeito dessas perdas, afirmam os pesquisadores, foi interromper o desenvolvimento da cabeça do cavalo-marinho pigmeu em um estágio inicial. O resultado foi um focinho em forma de protuberância em vez de um semelhante ao de um cavalo.
Apesar da perda de muitos genes em seu sistema imunológico, os cavalos-marinhos pigmeus não parecem ter se tornado mais vulneráveis a doenças. Isso pode ser graças aos corais, que produzem um arsenal de antibióticos e outras moléculas. Esses compostos protegem os corais —e podem também beneficiar os cavalos-marinhos pigmeus.
A perda de genes imunológicos pode ter aberto novos caminhos evolutivos para os cavalos-marinhos pigmeus. Por um lado, isso poderia explicar sua forma radical de gravidez masculina. Trazer embriões para o interior profundo de seus corpos poderia potencialmente desencadear uma resposta do sistema imunológico, atacando-os como tecido estranho. A perda de genes do sistema imunológico pode ter permitido que os pais tolerassem seus filhotes.
O geneticista Cristian Cañestro, da Universidade de Barcelona, que não participou do novo estudo, observou que “perdas de genes são predominantes em todos os ramos da árvore da vida”. Mas, acrescentou, os cavalos-marinhos pigmeus são uma demonstração impressionante de que perder genes nem sempre faz a evolução retroceder.
“Esse belo trabalho fornece um exemplo claro de como as perdas de genes podem ser benéficas, levando a inovações evolutivas e adaptações”, disse Cañestro.
Em certo sentido, os cavalos-marinhos pigmeus foram encurralados em um beco evolutivo: eles perderam tantos genes que não conseguem mais sobreviver separados de seus corais. Mas os corais estão sob ameaça, especialmente devido às ondas de calor provocadas pelas mudanças climáticas. Uma espécie de cavalo-marinho pigmeu foi declarada criticamente ameaçada como resultado, e mais podem seguir o mesmo caminho.
“A pesquisa revela uma cruel ironia”, disse o biólogo Richard Smith. “As próprias características que tornaram esses cavalos-marinhos bem-sucedidos, como sua perfeita camuflagem, tamanho minúsculo e biologia especializada, são agora sua maior vulnerabilidade.”
Fonte ==> Folha SP – TEC