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Concessões de saneamento e seus riscos: o caso do Pará – 07/04/2025 – Mauricio Portugal Ribeiro

Imagem aérea de uma área urbana densamente povoada, com muitas casas de telhado de metal e algumas de alvenaria. As casas estão dispostas de forma irregular, formando um padrão caótico. No centro, há um canal que parece ser uma via de drenagem, cercado por vegetação em algumas partes.

Nesta sexta (11), às 16h, será o leilão dos quatro blocos de concessão de saneamento do estado do Pará. Foram recebidas propostas para três blocos, das empresas AEGEA, Azevedo e Travassos, e Servpred. Talvez haja competição no leilão para algum desses três blocos. Eu apostaria que, se houver competição, isso ocorrerá nos blocos A e/ou B. E a licitação do bloco C deu vazia. O leilão desses três blocos que tiveram proposta será considerado um “sucesso” pelo Estado, pelo BNDES, e por seus consultores que modelaram o projeto. Mas, é preciso refletir se isso vai de fato resultar no cumprimento das metas e objetivos dos contratos.

As concessões de saneamento do Pará apresentam riscos superiores aos projetos anteriores. A começar pela dimensão física das áreas: são 1.136.114 km². Compare-se isso com 462.500 km² que é a soma da área das seis concessões de saneamento anteriores (Alagoas, Rio de Janeiro, Amapá, Ceará, Sergipe e Piauí).

A densidade populacional também dá a ver as dificuldades a serem enfrentadas pela concessão. No Bloco A, 27 habitantes/km²; no Bloco B, 20; no Bloco D, 6; e, no Bloco C, 2. São densidades muito menores que as encontradas nos demais projetos de saneamento, o que significa altos valores de investimento por cliente, e com uma capacidade de obtenção de receitas limitada em vista da capacidade de pagamento da população. Não por acaso, a licitação do Bloco C que tem a menor densidade populacional deu vazia.

Adicione-se o fato de que 59% dos municípios abrangidos pela concessão estão fora da rede da Cosanpa (empresa estadual de saneamento), o que impacta negativamente a confiabilidade dos dados de partida do projeto, como o nível de cobertura dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto, o cadastro dos clientes e os níveis de perdas na distribuição de água. Nos projetos anteriores, Alagoas (18%) tinha a maior proporção de municípios independentes, seguido do Piauí (4%).

Esse problema é mais agudo porque a alocação contratual de risco sobre a diferença entre a realidade que será encontrada pelo concessionário e os dados previstos no edital, ou é alocada ao concessionário (no caso das perdas), ou há omissão contratual sobre o tema (no caso do cadastro), ou há uma divisão de riscos inadequada, como no caso das diferenças de cobertura, em que o contrato carreia para o concessionário o custeio das consequências de até 15% dessas diferenças.

Isso porque não se desenvolveu no Brasil modelos adequados de contratos de concessão de negócios que envolvem redes para a prestação dos serviços, como, por exemplo, distribuição de energia ou gás. O BNDES, que é o estruturador principal de projetos de saneamento no Brasil, usa um modelo de contrato que foi criado originalmente para o setor de rodovias, e, portanto, adequado para concessões de infraestruturas lineares de transporte.

Supõe-se que os participantes da licitação conseguem checar os dados de partida do projeto retratados no edital, porque, em rodovias em regra é viável inspecionar o estado da infraestrutura durante a licitação, o que não é possível nos negócios de rede.

Os participantes das licitações têm apontado esse problema, trazendo inclusive informação sobre os bilionários pedidos de reequilíbrio dos contratos anteriores. A reação do BNDES tem sido deixar mais claro nos contratos que esse risco é do concessionário, de maneira a minimizar as chances de sucesso dos futuros pedidos de reequilíbrio dos contratos.

Contudo, ao alocar um risco, deve-se pensar em como o ente que ficará por ele responsável vai gerenciá-lo. No caso dos dados de partida dos projetos de saneamento, não há como o concessionário precificá-los ou gerenciá-los, e, por isso, a sua reação racional seria, em tese, provisionar valores nas suas propostas para criar um colchão para lidar com os eventos gravosos relativos a esses riscos.

Todavia, em um setor como o de saneamento em que temos mais de 80 agências reguladoras no país, várias delas com capacidade limitada de fiscalizar os serviços, e que ainda há controvérsias sobre coisas básicas como a mensuração dos índices de cobertura do serviço, o incentivo aos participantes das licitações é de serem agressivos nos leilões e, depois, investirem apenas o que couber na proposta vencedora.

É essencial que os responsáveis por modelar os projetos entendam que a alocação contratual de riscos não faz com que os riscos desapareçam. Ao alocar riscos aos concessionários, é preciso considerar as consequências da ocorrência de eventos gravosos e os incentivos dos entes que vierem a ser atingidos por eles. Sem isso, o “sucesso” nos leilões não levará ao cumprimento dos contratos e, por consequência, à universalização dos serviços.



Fonte ==> Folha SP

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