O princípio da não contradição (PNC) tem seus limites. Ele não funciona bem para compreender fenômenos quânticos, por exemplo. Mas, no mundo macroscópico em que vivemos, ele é uma excelente apólice de seguro contra erros lógicos e físicos. De modo geral, as coisas não podem ser e não ser ao mesmo tempo.
Os efeitos benfazejos da aderência ao PNC se estendem para a vida prática. O sujeito que age de forma coerente com as ideias que defende tende a ser visto como justo, o que amplia sua credibilidade. E credibilidade é um ingrediente para o sucesso na política.
A administração Donald Trump implodiu essa lógica. O presidente foi eleito defendendo uma visão absolutista da liberdade de expressão. Duas figuras centrais de seu governo, o vice J.D. Vance e Elon Musk, deram concretude a essa ideia quando manifestaram apoio ao partido neonazista alemão AfD, criticando as leis locais que limitam a expressão de teses extremistas.
Você pode não gostar dessa posição, mas ela era consistente com o discurso de campanha e com uma visão libertária da política. O que não faz sentido é um governo que defende tais princípios deflagrar uma campanha de caça às bruxas contra pessoas que manifestaram apoio à causa palestina em protestos universitários.
Ainda que a administração tivesse conseguido caracterizar bem as condutas desses indivíduos como antissemitas, o que não fez, nos EUA, discursos antissemitas e racistas estão protegidos pela Constituição.
Ali, limites à liberdade de expressão não são determinados pelo conteúdo das ideias apregoadas, mas pelo critério do perigo real e iminente. A Suprema Corte já autorizou, nos anos 1970, uma manifestação neonazista em Skokie, cidade então habitada por muitos sobreviventes do Holocausto. De mais a mais, se a administração Trump quer combater o antissemitismo, como explicar seu apoio à AfD?
Mais do que uma violação ao PNC, a gestão Trump ataca a própria ideia de que regras valem para todos, um dos pilares do liberalismo e da prosperidade do Ocidente.
Fonte ==> Folha SP