A Amazônia não é só paisagem. É gente pulsando, histórias que respiram, canções que ecoam e saberes que se reinventam. Vim do Ver-o-Peso [o famoso mercado público em Belém, no Pará], com suas barracas coloridas, o anúncio do peixe fresco e as vozes que se sobrepõem como coro da vida. Cresci entre igarapés que correm como veias e festas em que o cheiro do tacacá com jambu e tucupi encontra o riso largo do povo, misturando fé, sabor e música.
Do meu pai herdei a alma portuguesa, firme e generosa; da minha mãe, cabocla açoriana, a doçura resiliente. Mas foi o coração amazônico que me formou. Entre consoadas e bacalhoadas, entre açaí e farinha, aprendi que preservar não é só proteger árvores: é manter vivos as memórias, a música, os modos de existir e o orgulho de quem olha para a floresta e afirma: “sou dessa terra”.
Mais de 40 milhões de pessoas vivem na Pan-Amazônia, espalhadas por 9 países. No Brasil, a Amazônia Legal ocupa mais da metade do território nacional e abriga quase 28 milhões de habitantes. São cidades grandes e pequenas, comunidades ribeirinhas, capitais em transformação, escolas que formam gerações.
Esses números provam que a Amazônia não é um vazio verde, mas um espaço habitado, produtivo e diverso, que influencia o clima, a economia e a cultura de todo o planeta.
Foi nesse cenário que criei o Fórum Varanda da Amazônia, pensado para existir além das agendas oficiais. Ele se renova a cada encontro, reunindo lideranças comunitárias, pesquisadores, artistas, gestores e jovens que veem na floresta uma aliada. Ali, a arte encontra a ciência, o saber ancestral dialoga com propostas contemporâneas, e a experiência de quem vive na região se une ao olhar de quem a estuda.
A preservação da Amazônia precisa ser construída com as pessoas que a habitam, nunca sobre elas. No saber de quem planta mandioca, colhe açaí, navega de madrugada ou prevê o tempo pelas estrelas estão as respostas para o futuro. Ao reunir esses saberes com a ciência e com políticas públicas consistentes, multiplicamos a capacidade de proteger e desenvolver sem perder essência nem diversidade.
A COP30, em Belém, trará holofotes importantes para a Amazônia e para a voz de quem vive aqui. Essa visibilidade é oportunidade para mostrar que manter a floresta viva é fundamental para garantir um desenvolvimento socioeconômico equilibrado e responsável.
O desafio é transformar experiências em políticas duradouras. Trabalhamos para que, depois que os olhos do mundo se voltarem para cá, a construção continue firme e liderada por quem conhece e vive o território, garantindo que a Amazônia permaneça como pilar para a estabilidade climática do planeta.
Essa região é patrimônio da humanidade, mas, antes de tudo, é lar —e o lar se defende com afeto, cuidado e compromisso. É isso que levo na minha voz quando falo da Amazônia no Brasil e no exterior.
Quero que fique claro: aqui vivem milhões de pessoas que precisam ser reconhecidas, respeitadas e incluídas nas decisões sobre o próprio destino. Dar atenção à Amazônia não é apenas salvar o planeta. É aprender o que significa viver em equilíbrio com ele.
O que move a minha música é o mesmo que move minha atuação no Fórum Varanda da Amazônia. A certeza de que defender a floresta é defender as pessoas. Sei que não existe desenvolvimento verdadeiro se ele não incluir quem constrói, dia após dia, a vida neste território.
Enquanto eu puder, minha voz estará reafirmando que o que temos aqui é único, insubstituível e profundamente necessário para todos. A floresta é o cenário, mas o protagonista é o seu povo.
Um povo que transforma dificuldade em criação, escassez em inventividade, ameaça em união. É essa força que me inspira a seguir, a cantar, a falar e a agir. A Amazônia não é só um território. É uma promessa de futuro para a humanidade. E essa promessa depende de nós, agora.
TENDÊNCIAS / DEBATES
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Fonte ==> Folha SP