Dados Mostram Que os Alunos Precisam É Estudar Mais!
QUEM MAIS SE DEDICA AO ESTUDO TEM MELHOR DESEMPENHO NO ENADE
Roberto Lobo* 14 de abril de 2025
Será que estudar realmente melhora o desempenho dos estudantes? Deveria vir daí o
fato de se chamarem “estudantes”?
Temos muitas questões e políticas que pretendem resolver o problema da baixa
qualidade de nossos egressos (de todos os níveis de ensino). Para tentar responder a
essa simples pergunta que abre este artigo (e que parece óbvia, mas vemos todos os
dias que não se discute meios de se melhorar esse item), eu organizei uma pesquisa
muito simples, tomando por base o exame nacional do ENADE.
Acredito na metodologia do INEP, apesar de muito criticada, pois ela trouxe uma
sistemática de avaliação que, se bem empregada – e aí é que o INEP é sujeito a algumas
críticas pertinentes – pode ajudar a compreender certas relações entre as diferentes
variáveis ligadas ao desempenho do ensino superior brasileiro, incluindo as instituições
e sua gestão, bem como os professores e os estudantes.
Nesse breve estudo procurei associar o desempenho dos graduandos no exame
nacional do ENADE e as horas semanais de estudo declaradas pelos alunos que o
fizeram.
O ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) é uma avaliação
obrigatória para os concluintes do ensino superior, aplicada pelo INEP (Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e que faz parte do SINAES
(Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) coordenado pelo Ministério da
Educação- MEC.
Segundo o próprio MEC, o objetivo do ENADE é:
“Avaliar o rendimento dos estudantes dos cursos de graduação em relação aos
conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do curso, suas habilidades
para:
o Resolver problemas;
o Analisar e interpretar situações;
o Compreender questões relacionadas à realidade brasileira e mundial.”
Além de questões voltadas à aferição de conhecimentos gerais e específicos, o
estudante deve preencher um questionário de múltipla escolha em que são levantadas
várias questões relativas à sua vida particular, como por exemplo: formação dos pais, se
trabalha, tipo de escola cursada no ensino médio, renda familiar e seus hábitos enquanto
estudante, como média das horas estudadas além das classes regulares.
No questionário obrigatório preenchido pelos estudantes existe a “Questão QEI23 –
Quantas horas por semana, aproximadamente, você dedicou aos estudos,
excetuando as horas de aula?”.
As respostas são assim classificadas em relação às horas:
A= nenhuma, apenas assisto às aulas, B= de 1 a 3, C= de 4 a sete7, D= de 8 a 12 ou E=
+ de 12.
Classificando os estudantes pela resposta dada à QEI23, é possível relacionar a
resposta ao resultado obtido pelo estudante no ENADE e nos permite perguntar: Estudar
mais (ou seja, além do horário de aulas) acarreta claramente um melhor
desempenho acadêmico?
Sabemos que esta é apenas uma das variáveis que influenciam o desempenho e o
aprendizado dos estudantes, ao lado de outras como a forma de estudar, a qualidade
dos docentes, o projeto pedagógico do curso, a biblioteca da IES, a infraestrutura, a
própria turma, sua formação básica, a cultura familiar do aluno, etc. Entretanto, ela não
deve ser desconsiderada.
Sei que muitos educadores criticarão este estudo alegando exatamente essas outras
variáveis envolvidas na questão e que o ENADE não mede bem a capacidade
profissional do graduando. Todos conhecem soluções melhores… Mas é o que temos
para hoje.
Metodologia utilizada neste artigo
Para relacionar horas de estudo extraclasse e desempenho no ensino superior,
utilizamos o questionário do estudante e o resultado bruto do ENADE de 2019 com todas
as suas áreas de avaliação.
A escolha de 2019 se deveu ao fato de que este foi o último ENADE não contaminado
pela pandemia da Covid19 que desorganizou o ensino a partir de 2020, pois seria difícil
expurgar seus efeitos nos resultados obtidos.
Fizeram o ENADE naquele ano 433.931 estudantes, divididos em 30 áreas do
conhecimento (na classificação do MEC).
Relacionamos, em cada área, a resposta à questão QEI23 com as notas médias obtidas
pelos estudantes que escolheram aquele determinado quesito, seguindo a metodologia
do INEP para avaliar os resultados do ENADE.
Calculamos, a seguir, a média NR no ENADE dos estudantes que optaram por cada
resposta R (A a E).
O próximo passo foi calcular o desvio padrão das notas para aquela área do
conhecimento DP (que inclui todas a respostas), a média geral para a área MG e
calculamos a média normalizada MR de cada resposta, segundo a seguinte expressão:
MR = (NR – MG) / DP.
Em seguida, usando a metodologia do INEP, classificamos cada conjunto de respostas
com notas de 1 a 5, a partir da equação (R de A a E):
ER = 5 x (MR – MRmin) / (MRmax – MRmin),
E arredondamos da mesma maneira que faz o INEP:
ER
NQ=5.
Resultados
Foram calculadas as notas médias do ENADE 2019 para cada área do conhecimento
coberta no ano em questão. Relacionamos as notas em função das horas de estudo e o
resultado do ENADE, com base nas respostas à questão QEI23 do questionário do
estudante.
Apresentamos aqui um resumo geral dos resultados para o conjunto dos 433.931
estudantes que realizaram o ENADE 2019.
Quem desejar acessar a tabela completa por curso, pode encontrá-la no site do
Instituto Lobo (www.institutolobo.org.br) procure no botão Artigos o artigo do mesmo
nome somado às tabelas e aos gráficos do texto):
Quantas horas por semana, aproximadamente, você dedicou aos estudos, excetuando
as horas de aula?
fi O conjunto dos alunos que respondeu A: nenhuma, apenas assisto às aulas, recebeu,
em média, uma nota 1 no ENADE
fi O conjunto dos alunos que respondeu B: de 1 a 3 horas, recebeu, também, em média,
uma nota 1, no ENADE
fi O conjunto dos alunos que respondeu C: de 4 a 7 horas, recebeu, em média, uma nota 3
no ENADE
fi O conjunto dos alunos que respondeu D: de 8 a 12 h, horas recebeu, em média, uma
nota 4 no ENADE
fi O conjunto dos alunos que respondeu E: + de 12 horas, recebeu, em média, uma nota 5
no ENADE
É interessante e importante observar que no conjunto geral do ENADE há uma clara
relação entre horas de estudo além das aulas e o desempenho no ENADE que varia da
nota 1 para quem menos estuda extraclasse (resposta A), crescendo continuamente até
5 para quem estuda mais (resposta E).
Em 87% dos cursos, alunos que declararam estudar mais de doze horas semanais
extraclasse obtiveram uma avaliação nota 5.
Já 74% dos estudantes que declararam estudar de quatro a sete horas extraclasse,
obtiveram, nesses mesmos cursos, uma avaliação no ENADE entre as notas 3 e 4.
Em 63% dos cursos, estudantes que responderam A (apenas assistem aula) alcançaram
somente a nota 1.
A lição aprendida é que o esforço do aluno ao estudar além das aulas é
recompensado por um melhor desempenho no ENADE. Sem grandes surpresas!
Estes resultados só confirmam estudos anteriores como o do National Center for
Education Statistics (NCES), as Pesquisas da American Psychological Association (APA)
e o Relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), entre muitos
outros estudos acadêmicos sobre a correlação entre estudo extraclasse e resultados
acadêmicos dos estudantes.
Estudo semelhante ao deste texto foi apresentado no International Journal of
Multidisciplinary Research and Growth Evaluation, 2024: “The impact of study hours on
academic performance: A statistical analysis of students grades” de Tariq Zubair, Uzma
Qazi Syed Mohammad Faisal e Ahmad Khalid Khan.
Uma questão, no entanto, merece ser levantada, entre muitas outras: os estudantes que
responderam A ou B (os que menos estudam fora de classe) não seriam aqueles que
precisam trabalhar simultaneamente com os estudos e não têm tempo de se dedicar a
estudar fora das aulas? A resposta é sim!
Os estudantes que mais trabalham (mais de 20 horas por semana, segundo suas
declarações no questionário do ENADE) estudam, além das aulas, em média 30% a
menos do que aqueles que não trabalham, ou trabalham eventualmente.
Um auxílio para que os estudantes trabalhadores pudessem diminuir sua carga de
trabalho semanal provavelmente os faria melhorar seu desempenho acadêmico.
Se nós educadores, ao invés de facilitar para nivelar o desempenho por baixo, como falei
em meu ultimo artigo “Nivelar por baixo não é a solução”, exigíssemos mais de nossos
estudantes (de todos os níveis de ensino), inclusive com a cobrança de mais estudo e
trabalhos extraclasse, será que eles passariam a ter melhor desempenho, inclusive ao
nos compararmos em rankings internacionais, e poderíamos subir no resultado geral do
próprio ENADE e em alguns programas como o PISA, onde estamos estacionados e mal
colocados há décadas?
Por trás desses resultados, há outras perguntas importantes: Será que é pagando
igualmente a todos os professores, independentemente da dedicação e da qualidade do
trabalho realizado, que nós vamos nos tornar internacionalmente competitivos e nossa
produtividade por trabalhador vai aumentar?
Em minha experiência pessoal, como docente e gestor, incluindo as consultorias do
Instituto Lobo, vi sempre uma clara ligação entre exigência de estudo e gestão: manter
o corpo docente motivado, associado e comprometido com um projeto de qualidade
institucional, com apoio de uma equipe que o acompanha de perto e com avaliações
constantes também do desempenho docente.
Então agora temos outra questão que deveria fazer parte de todos os projetos
pedagógicos de todos os cursos de todos os níveis de ensino:
O que deve ser feito para que os alunos estudem mais, em especial fora do horário
de aula?
*Roberto Lobo é PhD em física pela Purdue University, foi reitor da USP e é presidente
do Instituto Lobo
Fonte ==> Estadão