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De perto, todo mundo é inocente – 27/03/2025 – Hélio Schwartsman

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Há quem tente minimizar a gravidade da intentona golpista olhando para cada ação de forma isolada e com uma lente teleobjetiva.

A tal da cabeleireira apenas teria pichado uma estátua com batom. Bolsonaro não poderia ser acusado de dano ao patrimônio público, porque, no 8/1, ele estava nos EUA, a milhares de quilômetros de Brasília. A própria invasão à praça dos Três Poderes não poderia ser considerada tentativa de golpe, porque um bando de malucos fazendo baderna num domingo à tarde não tinha chance real de conquistar o poder.

Há um problema nessa maneira de ver as coisas. Olhando bem de perto, todo mundo é inocente. O assassino que disparou sua arma contra a vítima pode dizer que apenas dobrou o dedo, o que não é tipificado como crime em nenhum lugar do planeta.

Verdade. Mas, para que o mundo permaneça inteligível, mesmo ações aparentemente insignificantes precisam ser analisadas em seu devido contexto. O dedo do assassino se apoiava sobre o gatilho da pistola que estava direcionada para seu alvo. É o contexto e não só o gesto que faz dele um criminoso.

E o contexto não favorece Bolsonaro, seus corréus nem a turma do 8/1. O que eles fizeram e deixaram de fazer se inscreve numa trama que tinha por objetivo não entregar o poder a Lula, o que basta para ressignificar suas ações e omissões como delitos contra a ordem democrática.

Não estou, com essas observações, coonestando a pena de 14 anos proposta para a cabeleireira, que me parece excessiva para alguém que nunca passou de bucha de canhão. Mas é importante que ela seja condenada não apenas por ter pichado a estátua mas também por ter integrado um grupo que, ainda que de forma atabalhoada, tentou derrubar a democracia.

O direito penal contribui para manter a coesão social não ao infligir sofrimentos a criminosos, mas ao atuar como força dissuasória, indicando a terceiros quais condutas antissociais não devem ser imitadas. Para que isso ocorra, é fundamental que as condenações ocorram pelos motivos certos.



Fonte ==> Folha SP

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