Muito se tem falado sobre inteligência artificial após as versões 4.0 de DeepSeek e Alibaba surgirem. A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, diz que “iremos beber da fonte”. É nesse contexto que ouso emitir parcas reflexões sobre o impacto ambiental do avanço da IA no consumo de água e energia.
Horas na Netflix, redes sociais, e-mails, transacionar criptomoedas. Tudo isso pede uma colossal infraestrutura global, “cidades data centers” e cabos que dariam mais de 80 voltas na Terra. Alimentar as plataformas online exige mais potência das máquinas, o que implica maior consumo de água e energia.
A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou que, em 2022, os data centers consumiram 460 terawatt-hora (TWh) de energia no planeta. Com o crescimento da IA, esse consumo aumentará para 1.050 TWh até 2026. O valor é o dobro do consumo anual de energia elétrica no Brasil, de aproximadamente 500 TWh.
Sam Altman, CEO da OpenAI (idealizadora do ChatGPT), afirmou que temos que avançar na energia limpa para atender à demanda criada pela inteligência artificial. A AIE alertou para uma adição no consumo de IA em ferramentas de busca na internet, como o Google, que aumentaria de 0,3 watt-hora (pesquisa no Google sem IA) para 2,9 watt-hora (ou uma pergunta no ChatGPT). A alta no consumo anual global de energia com a inclusão de IA no Google será de 10 TWh —o que equivale ao consumo anual de uma cidade de 3 milhões de habitantes, como Brasília.
Esses sistemas, a pleno vapor, precisam de ventilação para evitar o superaquecimento. Esse resfriamento, para ser eficiente (leia-se menor custo), utiliza muita água, um recurso escasso. Além disso, sabemos que os chips usados no treinamento de IA consomem muito mais água do que os de servidores comuns (acelerado pelo forte investimento em IA generativa em 2022).
Relatório de Sustentabilidade do Google informou um consumo de 21 bilhões de litros de água em 2022, o suficiente para encher 8.400 piscinas olímpicas (alta de 20% ante 2021). A Microsoft, outra bigtech (que detém 75% da OpenAI), divulgou que seu consumo global de água aumentou 34% no mesmo período.
Diante desse cenário, é preciso “beber da fonte”, mas devemos lembrar que nós somos a fonte. O Brasil e a amazônia são a fonte principal de água do mundo, que, ao final, é essencial para sistemas de IA. Água é energia —e, como bem lembrou o filme Matrix (1999), não há inteligência artificial sem energia.
A amazônia é um oceano subterrâneo, com volume total de 162 mil quilômetros cúbicos, o que é chamado pelos cientistas de Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga). Essa água nutre toda a vida da amazônia, do planeta. O Saga seria capaz de abastecer o planeta inteiro durante 250 anos. São mais de 150 quatrilhões de litros de água doce, o nosso verdadeiro petróleo.
Frise-se: não estou sugerindo que se use água da amazônia para resfriar data centers. O que proponho aqui é que a sociedade gaste tempo no Google pesquisando mais sobre como economizar água e levar saneamento para todos em vez de gastá-la pesquisando no Google, ChatGPT e DeepSeek qual dos três é melhor ou pior, ou mais ou menos seguro. Afinal, sem água no mundo, nenhum dos três irá funcionar.
Na COP30, que ocorrerá em Belém, em novembro, teremos a oportunidade de falar sobre a importância de ampliar o reúso da água para a refrigeração dos data centers, mas, principalmente, alertar o mundo sobre a necessidade de preservar a “amazônia hídrica”, os rios voadores e os rios/oceanos subterrâneos.
Lembraremos o mundo que, para a expansão da inteligência artificial, temos que cuidar cada vez mais da vida natural na amazônia, preservar rios e matas, cuidar dos guardiões da floresta e levar saneamento a essas e outras comunidades.
Sem verde não há água; sem água não há verde; sem verde e sem água não há vida —nem natural nem artificial. Esse é a verdadeira “busca profunda” (“deep seek”) que devemos almejar: ampliar a resiliência e a consciência hídrica dos povos.
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Fonte ==> Folha SP