Num episódio quase folclórico dos tempos de inflação exorbitante e de ditadura militar, em 1977 o então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, culpou o chuchu, à frente dos produtos hortifrutigranjeiros, pela alta geral de preços de 4% no mês de março. A queixa levou a mudanças no IGP da Fundação Getulio Vargas, o principal índice da época.
A busca por vilões da inflação é recorrente no debate nacional, mesmo nesta era de taxas bem mais civilizadas. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu na segunda-feira (24) que o Banco Central desconsidere os preços de alimentos e energia ao definir sua taxa de juros.
“Não adianta eu aumentar os juros, porque não vai fazer chover”, argumentou Alckmin —curiosamente já apelidado, em razão de suas posições moderadas, com o nome do vegetal outrora atacado por Simonsen. De modo similar, acrescentou, a política monetária não fará aumentar a oferta global de petróleo.
O que há de mais razoável nas declarações de 1977 e de agora é que alimentos e alguns outros produtos de fato têm preços muito voláteis, com variações bruscas devido a fatores imponderáveis, do clima até a geopolítica.
Não por acaso, economistas, incluindo os do BC, incorporam a suas análises medidas que excluem bens e setores capazes de distorcer os índices —são os chamados núcleos da inflação. O BC também tem evitado subir juros em resposta direta a choques de oferta, tanto que os tetos fixados para o IPCA foram descumpridos em 3 dos últimos 4 anos.
Daí a desconsiderar os produtos de preços voláteis, porém, vai grande distância. Só os alimentos representam cerca de 20% do custo de vida das famílias, enquanto energia elétrica e combustíveis têm grande peso nos gastos com habitação e transportes.
Diante do encarecimento de tais artigos, assalariados buscarão reajustes, prestadores de serviços cobrarão mais por seu trabalho e empresas repassarão os custos a seus produtos. “Os preços de alimentos mantêm-se elevados e tendem a se propagar para outros preços no médio prazo”, diz a ata da reunião do BC que elevou os juros a 14,25% anuais, divulgada nesta terça-feira (25).
Será missão da política monetária sustar o crédito e o consumo para reduzir a intensidade dessa propagação —e evitar que ela desencadeie novas altas de preços em espiral. A tarefa é amarga, mas o BC e um governo preocupado com o poder aquisitivo da população não podem ignorá-la.
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Fonte ==> Folha SP