Ao contrário do que prega a cartilha do populismo penal, o encarceramento por si só não resolve problemas de segurança pública. Equívocos nessa seara implicam, geralmente, prender muito e mal.
Levantamento inédito do Conselho Nacional de Justiça, reportado pela Folha, revelou que 110 mil dos 378 mil condenados por crimes relacionados a drogas poderiam ter suas penas reduzidas se a condenação fosse revisada como tráfico privilegiado.
Tal figura legal prevê regime mais brando em casos que envolvem réus primários, com bons antecedentes e sem relação com organizações criminosas.
A razão é simples: prender quem não representa risco só fortalece facções do narcotráfico que atuam em presídios de todas as regiões do país, sem qualquer ganho em segurança para a sociedade. Apesar dessa premissa baseada em evidências, a realidade é bem diferente.
O Brasil ostenta o terceiro lugar no ranking global de maior população carcerária, embora ocupe o sétimo lugar em número total de habitantes. O principal motor prisional está no uso punitivista da Lei de Drogas, de 2006, que não estabelece diferença objetiva entre usuários e traficantes.
É o que revelam os números: subiu de 14% para 28% o número de presos por tráfico entre 2005 e 2014. No caso das mulheres, a taxa cresceu oito vezes entre 2002 e 2018, chegando a 64%.
A tipificação de tráfico privilegiado poderia contribuir para desafogar o sistema, que além de tudo apresenta condições de vida degradantes. Há empecilhos, no entanto. Tribunais tendem a afastar a hipótese do tráfico privilegiado com argumentos vagos sobre o pertencimento do acusado a organização criminosa.
Mas há também movimentos no sentido oposto. O Supremo Tribunal Federal determinou, em 2023, que a União e estados enfrentem problemas estruturais dos presídios, e o CNJ promove mutirões para reduzir o número de presos injustamente.
Em junho de 2024, o STF decidiu descriminalizar o porte de maconha para quem tiver até 40 gramas da droga ou seis plantas fêmeas —medida que levou à elaboração de uma nova política de drogas, ainda em andamento, por parte do Executivo e do CNJ para que seja garantida a sua eficácia.
Já o plano Pena Justa do CNJ propõe, entre outras medidas, padronizar decisões do Judiciário sobre tráfico privilegiado para garantir maior objetividade.
As cortes precisam aplicar a lei com sensatez, para que réus de baixa periculosidade não acabem em prisões lotadas e insalubres.
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Fonte ==> Folha SP