Andrea Sella devolveu o prêmio Michael Faraday da Royal Society. O cientista atribuiu sua decisão ao que considerou uma falha da instituição: não tomar medidas mais fortes contra Elon Musk, membro da academia científica britânica, por liderar “ataques à ciência dos EUA”.
Sella recebeu o prêmio Faraday de 2014. Ele criticou a entidade por não censurar o fundador da SpaceX pelos cortes de financiamento impostos a importantes instituições americanas e pelos ataques a indivíduos como o médico imunologista Anthony Fauci, ex-diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (Niaid, na sigla em inglês).
“Estou horrorizado que a Royal Society tenha permanecido em silêncio”, disse Sella, um químico da UCL (University College London) que ganhou o prêmio Faraday por sua comunicação científica. “Muitos dos meus colegas acadêmicos estão igualmente atônitos com o fracasso da sociedade em sequer discutir o assunto publicamente”, afirmou ao Financial Times.
Em março, a entidade de 365 anos de idade disse que não tomaria nenhuma medida disciplinar contra Musk e que quaisquer julgamentos que emitisse que fossem potencialmente vistos como políticos fariam “mais mal do que bem”.
O químico é o mais recente cientista a criticar a posição da Royal Society. Dorothy Bishop e Andrew Millar deixaram a entidade por esse motivo, e mais de 3.000 cientistas assinaram uma carta criticando a inação da academia.
Sella disse que tomou sua decisão após assistir a uma palestra no final do mês passado do vencedor do prêmio Faraday 2024, o epidemiologista Salim Abdool Karim, que fez campanha contra a desinformação em saúde na África do Sul.
Musk, que nasceu na África do Sul, foi acusado por muitos pesquisadores de permitir que sua empresa de mídia social X (antigo Twitter) se tornasse um fórum para desinformação científica. As regras do código de conduta da Royal Society estabelecem que os membros devem “esforçar-se para defender a reputação da entidade”, acrescentando que comentários feitos em caráter pessoal ainda poderiam ter impacto sobre ela.
Sella anunciou que devolveria sua medalha Faraday de prata dourada e doaria o valor equivalente ao do prêmio —que hoje é de R$ 18,9 mil—, atualizado pela inflação, para Caprisa, a organização de pesquisa sobre HIV/Aids cofundada por Karim.
“Chega um momento em que todos nós devemos traçar uma linha”, afirmou Sella. “Isso foi elegantemente esclarecido pelo meu sucessor do Faraday… depois de ouvir sua palestra, sinto que esse momento chegou.”
A Royal Society afirmou que “o professor Andrea Sella é um comunicador científico exemplar” e que “lamenta profundamente sua decisão de devolver o prêmio Michael Faraday de 2014.”
Neste ano, Musk supervisionou cortes drásticos na pesquisa científica dos EUA por meio do chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge), liderado por ele. Antes, o bilionário também defendeu um processo contra Fauci, que ajudou a liderar a resposta do governo americano à pandemia de Covid-19 e frequentemente entrou em conflito com Donald Trump durante o primeiro mandato do republicano.
Adrian Smith, presidente da Royal Society, disse em março que a entidade iria “intensificar a defesa da ciência e enfrentar ataques à ciência e aos cientistas, particularmente nos Estados Unidos”.
A posição foi orientada por opiniões expressas pelos membros dos mais de 1.500 integrantes da sociedade, inclusive em uma reunião especial no início de março, acrescentou ele.
De acordo com Smith, Paul Nurse, presidente-eleito da entidade, havia escrito para Musk. A correspondência com Musk era privada, disse a entidade ao Financial Times nesta segunda-feira.
A entidade “repetidamente se manifestou contra ameaças à ciência decorrentes de pressões de financiamento, agendas ideológicas e desinformação”, declarou. “O que está acontecendo nos EUA é ruim para a ciência e isso é ruim para todos.”
Musk, que formalmente deixou a administração de Trump no mês passado, não fez nenhum comentário direto sobre o debate da Royal Society. Em março, ele disse que apenas “tolos covardes e inseguros” se importavam com “prêmios e associações”, depois que o pioneiro em inteligência artificial vencedor do Prêmio Nobel, Geoffrey Hinton, pediu sua expulsão da entidade.
O bilionário afirmou que era “descuidadamente ignorante, cruel e falso” Hinton acusá-lo de causar “enormes danos” às instituições científicas nos Estados Unidos.
Fonte ==> Folha SP – TEC