Search
Close this search box.
Search
Close this search box.

Entenda o que está em jogo nas eleições históricas da Bolívia | Mundo

Entenda o que está em jogo nas eleições históricas da Bolívia | Mundo

UM Bolívia vai às urnas neste domingo (17) em meio a um delicado cenário político e econômico. O país enfrenta uma escassez de dólares que vem impedindo a compra de itens básicos para o dia a dia da população boliviana, além de uma turbulência política que resultou na abstenção da candidatura do atual presidente, Luis Arcedo pleito deste domingo.

O partido de Arce, o Movimento ao Socialismo (MAS)deve ser substituído por um governo de direita pela primeira vez em mais de duas décadas. A sigla colapsou especialmente após o rompimento do atual presidente com o líder histórico do partido, o ex-presidente Evo Morales (presidente entre 2006 e 2019), que não conseguiu emplacar sua candidatura nas eleições deste ano.

As disputas internas pela liderança do MAS respingaram nas candidaturas de esquerda à presidência da Bolívia, o que abriu margem para um precedente inédito no país latino-americano: um segundo turno entre dois candidatos de direita.

Às vésperas das eleições, as pesquisas eleitorais apontam que Samuel Doria Medina e Jorge “Tuto” Quiroga deverão ser alçados ao segundo turno, marcado para outubro, caso as projeções se confirmem.

Os números também indicam uma grande fatia de brancos, nulos e indecisos entre o eleitorado, cerca de 30%, algo atípico a esta altura da corrida eleitoral.

Como funciona a votação?

Mais de 7,9 milhões de pessoas estarão aptas a votarem neste domingo.

A Bolívia é uma república presidencialista regida pelo preceito da Democracia Representativa, que une “a representação da maioria e o reconhecimento e respeito às minorias”, e é exercida por meio do voto universal, individual e direto, conforme informações divulgadas pelo Órgão Eleitoral Plurinacional do país.

O voto para presidente e vice-presidente ocorre a nível nacional. Um candidato é proclamado vencedor em primeiro turno caso obtenha 50% dos votos válidos ou pelo menos 40%, desde que consiga uma diferença de pelo menos 10% sobre o segundo colocado.

Também estão em jogo as cadeiras da Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia, que engloba a Câmara dos Deputados e o Senado boliviano. Serão escolhidos 130 deputados — 60 por representação proporcional dos nove departamentos do país, 63 por voto direto em distritos uninominais, e 7 representantes de circunscrições especiais indígenas; além de 36 senadores — cada um dos nove departamentos do país escolherá 4 representantes no Senado — e 9 representantesum de cada departamento, para organismos parlamentares internacionais.

As pesquisas de intenções de voto indicam também uma renovação da Assembleia, em que a maioria dos eleitos deverá ser da oposição.

Tanto para os cargos do executivo quanto para os do legislativo, o mandato é de cinco anos, passíveis de uma única reeleição.

Uma redefinição desse termo foi cogitada na década passada após o então presidente Evo Morales ter sido eleito para um terceiro mandato em 2015.

Em 2017, o Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) havia estabelecido um mecanismo de “reeleição ilimitada”, o que abriu caminho para que Morales concorresse, e ganhasse, ainda que sob alegações de fraude, o pleito de 2019.

A decisão foi ratificada em 2023, quando o TCP determinou a inconstitucionalidade de um terceiro mandato, ao reafirmar que somente a reeleição consecutiva é permitida.

Ao todo, oito candidatos disputam a presidência da Bolívia nas eleições deste ano. A corrida eleitoral, no momento, é encabeçada pelo empresário e ex-ministro Samuel Doria Medinade 66 anos, que concorre pela coalizão Alianza Unidad.

Medina lidera as intenções de voto por uma estreita margem, de pouco mais de 1%, sobre Jorge “Tuto” Quirogaex-presidente da Bolívia e candidato pela coalizão Libre.

Quiroga possui 20% ante 21,2% de Medina, segundo pesquisa recente realizada pela Ipsos/Ciesmori.

O ex-presidente, porém, aparece em primeiro nas intenções de voto de uma pesquisa divulgada nesta sexta pela Atlas. O candidato aparece com 22,3% das intenções de voto, ante 18% de Medina.

Samuel Doria Medina é empresário e um dos homens mais ricos da Bolívia. Ele assumiu o ministério do Planejamento durante a gestão de Jaime Paz Zamora, e concorre à presidência do país pela quarta vez

Já Jorge Quiroga almeja retornar à cadeira presidencial mais de duas décadas após tê-la ocupado. Ele foi alçado à presidência após a renúncia, de Hugo Banzer, em 2001, que deixou o cargo para tratar um câncer. Quiroga se manteve no cargo até agosto de 2002. Foi candidato outras duas vezes, mas perdeu ambos os pleitos para Evo Morales.

As projeções reforçam que os dois candidatos, ambos de direita, deverão se enfrentar em um segundo turno, previsto para ocorrer em 19 de outubro.

Uma disputa em segundo turno entre dois candidatos de direita é um cenário eleitoral inédito na Bolívia, mas que se aproxima cada vez mais de se concretizar, à medida que tanto Medida quanto Quiroga conseguem ampliar a distância em relação aos demais nomes da disputa.

Em terceiro lugar nas pesquisas aparece Rodrigo Paz Pereirasenador pelo departamento de Tarija e candidato à presidência pelo Partido Democrata Cristão.

Os principais representantes da esquerda boliviana na disputa não conseguiram alavancar suas respectivas campanhas, em grande parte por conta de suas ligações ao MAS.

O presidente do Senado boliviano, Andrónico Rodriguezquase ficou de fora da disputa por conta de um impasse judicial em relação ao seu partido, o Movimento Terceiro Sistema (MTS). Ele conseguiu reverter a situação e viabilizar sua candidatura pela coalizão Alianza Popular, mas teve sua projeção minada ao longo da corrida eleitoral.

O ex-ministro do governo Arce e candidato oficial pelo MAS, Eduardo del Castillotambém não conseguiu fazer com que sua campanha decolasse ao longo da corrida eleitoral.

Ambos sofreram com o desgaste em relação ao atual governo e às disputas internas que levaram à ruína do MAS. Rodríguez chegou a romper com Morales e Arce para buscar maior protagonismo dentro da esquerda, enquanto Castillo seguiu sendo apoiado pelo atual presidente, mas em nenhum dos dois conseguiu reverter a rejeição à sigla.

As eleições podem representar uma virada de chave para o país, que segue a tendência de outros da América Latina em eleger governantes alinhados à direita.

O pleito pode representar não somente a ascensão da direita boliviana, como também uma derrocada do MAS, que, pela primeira vez em 20 anos, não deverá eleger o presidente boliviano.

A ruína política do partido é praticamente indissociada da profunda crise econômica pelo qual a Bolívia passa.

Nesse cenário, o economista boliviano, Jaime Dunnpontua que o próximo governo, muito provavelmente, será transitório. “Ou seja, não fará grandes reformas, vai apenas se dedicar a resolver a crise econômica e não vai propor uma nova visão de Bolívia.”

Já o professor de economia da Universidade Privada da Bolívia, Ricardo Nogalesreforça que as medidas corretivas da crise são “altamente impopulares”, e que o partido que assumir o país, neste contexto, deverá gastar “todo seu capital político” para evitar que as medidas gerem um mal-estar social, que pode levar a uma crise institucional.

“Fazer o que a população exige implica uma revisão drástica dos gastos públicos, a eliminação ou redução significativa dos subsídios aos combustíveis e, sobretudo, aceitar que o boliviano (moeda oficial da Bolívia) perdeu valor em relação ao dólar — o que exige liberar a taxa de câmbio ou desvalorizar a moeda dentro de um regime de bandas cambiais. Em resumo, corrigir os desequilíbrios macroeconômicos exige medidas altamente impopulares”, afirmou.

Quais são as principais preocupações dos bolivianos?

A decadência da economia boliviana se converteu na questão central das eleições deste domingo. A crise boliviana decorre de uma série de fatores, gerados, principalmente, por conta do declínio das exportações de gás natural.

“Entre 2014 e 2024, o volume de gás vendido ao exterior caiu pela metade, em parte devido à redução da capacidade produtiva pelo esgotamento de campos maduros, à falta de investimentos em exploração e ao atraso no desenvolvimento de novos campos. Os impactos econômicos são profundos”, afirma o professor Nogales.

A queda acentuada nas exportações de gás fez ruir as reservas cambiais do país. A falta de dólares reduziu a oferta de produtos importados, e, consequentemente, pressionou a inflação e ocasionou o aumento dos preços.

“Até abril de 2025, a inflação interanual alcançou 15%, enquanto a inflação de alimentos chegou a 24%, colocando a Bolívia entre os três países com maior inflação na América do Sul, atrás apenas da Venezuela e da Argentina”, aponta Nogales.

O aumento dos preços provocou uma escassez generalizada dentro do mercado consumidor da Bolívia, o que afetou desde o fornecimento de combustíveis para veículos até itens básicos do dia a dia da população, como o pão.

Os bolivianos apontam a corrupção (62,1%), a hiperinflação e a escassez de produtos (39,3%), a crise energética e a falta de combustíveis (38,7%) e a crise social (35,5%) como os principais problemas atuais do paísconforme divulgado pela pesquisa da Atlas.

O fator financeiro, somado às disputas internas do MAS, ocasionou na derrocada da popularidade do partido e também do modelo econômico adotado por ele nas últimas duas décadas.

Para Dunn, o encerramento deste ciclo é o primeiro aspecto que a população boliviana espera resolver com as eleições.

“Primeiro, que se encerre o ciclo do MAS; segundo, que o problema da crise econômica seja resolvido; e terceiro, uma renovação, uma mudança profunda — uma nova Bolívia com uma visão de país diferente”, declarou.

Nogales reforça que o pleito representa uma “esperança de solução” para o país, porém, esclarece que os esforços para resolver a crise econômica não são simples e envolvem medidas politicamente impopulares.

“Controlar a inflação, resolver a escassez de combustíveis e pôr fim à falta de divisas são questões urgentes, mas com soluções politicamente muito custosas”, afirmou.



Fonte ==> Exame

Relacionados