O Brasil passa por uma transformação silenciosa que impacta a todos nós: o país está envelhecendo rapidamente. E não estamos sozinhos —trata-se de uma mudança global—, mas os dados brasileiros impressionam.
O grupo etário nacional que mais cresce é o dos idosos acima de 85 anos e, segundo o Censo, entre 2010 e 2022 a cifra de centenários saltou 67% —algo inédito. Essa crescente longevidade dos brasileiros é uma ótima notícia, mas nos coloca um desafio enorme: o de garantir que a população envelheça bem.
Primeiramente precisamos ampliar a ideia de que envelhecimento é uma experiência apenas individual. O envelhecimento é também uma prática coletiva permeada por construções sociais, num complexo emaranhado entre biologia, ambiente e cultura. Dentre os grandes desafios do envelhecer bem, destacam-se a saúde cerebral e a prevenção das demências, cuja principal causa é a doença de Alzheimer (a quinta causa de morte entre idosos acima de 65 anos no mundo).
Entretanto, nem sempre falamos que a saúde cerebral e a proteção para demências começam cedo, em adultos de meia-idade (40 a 60 anos) e jovens adultos (20 a 40 anos). Tampouco falamos de envelhecimento como algo a ser celebrado e cuidado em diferentes fases da vida. Apesar disso, há um crescente combate ao etarismo nas redes sociais, endossado por iniciativas globais como a Década do Envelhecimento Saudável 2021-2030, da Organização Mundial da Saúde.
Um dos maiores desafios sobre o envelhecimento é que a longevidade de amanhã começa hoje, quando as janelas de prevenção para diversas doenças estão mais abertas e o impacto da modificação do nosso estilo de vida e ambiente é maior. O recente relatório do Lancet Comission, “Dementia Prevention, Intervention, and Care”, publicado pela The Lancet em 2024, indica que quase metade dos casos de demência (45%) poderiam ser prevenidos se interviéssemos em 14 fatores de risco modificáveis. O modelo de prevenção tem como base 37 mil indivíduos residentes na Noruega, mas o relatório analisou também dados de diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil.
O primeiro fator que podemos intervir começa cedo: educação. Já sabemos que uma maior educação tem efeito protetor para o cérebro, e isto é ainda mais relevante em regiões mais pobres, como apontou estudo brasileiro liderado pela geriatra Claudia Suemoto, da USP. A educação e as atividades cognitivamente desafiadoras são partes fundamentais das experiências que moldam o cérebro e impactam na reserva e resiliência do órgão ao longo da vida, tornando-o mais resistente às lesões e enfermidades, incluindo a doença de Alzheimer.
Além disso, 10 dos 14 fatores de risco para demência (cerca de 70%) têm maior impacto se a intervenção ocorrer antes de nos tornarmos idosos; isto é, na meia-idade. Esses dez fatores são: perda auditiva, colesterol “ruim” alto (LDL), hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo, traumatismo cerebral, uso excessivo de álcool, depressão e inatividade física.
Após os 60 anos, esses elementos continuam a ser relevantes, mas há outros especialmente importantes: isolamento social, perda visual e poluição do ar. Outros fatores de risco para demência amplamente estudados são alimentação, sono, estresse crônico e uso e/ou dependência de drogas e álcool. Essas questões mereceriam maior destaque entre jovens adultos, quando muitos estão formando seus hábitos de saúde e frequentemente lidando com intensas demandas de carreira e família.
Cada vez mais as neurociências apontam para a mesma direção: envelhecimento é um assunto de todos nós, inclusive dos jovens. Se queremos construir uma sociedade preparada para envelhecer bem, precisamos ampliar nossa conversa sobre saúde cerebral para além das rodas científicas e grupos de idosos: nas escolas, universidades, ambientes de trabalho, eventos esportivos, culturais e de meio ambiente —além de campanhas que conscientizem que longevidade começa hoje, não num dia distante.
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Fonte ==> Folha SP