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Esquerda precisa ter explicações sobre salário e trabalho – 01/05/2025 – Vinicius Torres Freire

Um homem idoso com cabelo grisalho e barba, vestindo uma camisa azul, está em pé com as mãos unidas em frente ao corpo. Ao fundo, há uma estante de livros com várias prateleiras cheias de livros e documentos. O ambiente parece ser uma biblioteca ou um escritório bem iluminado, com um sofá verde em primeiro plano.

Escrevo estas linhas ainda no 1º de Maio, um Dia do Trabalho esvaziado simbólica e politicamente, para não dizer quase morto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi às ruas, esvaziadas de esquerda faz muito tempo. Fez um pronunciamento, na véspera. Falou entre outras coisas dos bons números de emprego e salário. Era tudo verdade, mas nem toda.

Não se trata de dizer de modo algum que era enganação. Mas de lembrar outra vez que a vida anda apertada, que a melhoria do último biênio ou triênio não bastaram para compensar os anos de desastre e de inflações. Que talvez esse seja um dos motivos do mau humor político-econômico, evidenciados na baixa popularidade do governo. Trata-se de lembrar também que a esquerda pouco fala de salários, para nem dizer de outras muitas precariedades do mundo do trabalho e social.


Nesta semana, saíram os números de emprego e salário de março, do IBGE, os da Pnad. Nos últimos 12 meses, o salário médio aumentou 4% além da inflação. Forte. O número de pessoas com algum trabalho ainda cresce 2,3%. Forte. Mais rápido do que no 2013 que foi o último ano dos tempos de crescimento antes do tumulto político e econômico que começaria naquele ano que ainda não terminou.

Nos últimos dois anos, praticamente o governo Lula, o valor da média dos salários aumentou mais de 8% em termos reais —além da inflação. Nos últimos três anos, 16%, decerto engordados pela recuperação das perdas da epidemia.

No entanto, em relação a março de 2020, começo da peste, os salários cresceram apenas 6,5%. Considere-se o PIB per capita entre o final de 2019 e o final de 2024: cresceu 11,4%.

A recuperação do prejuízo salarial foi pequena, desde então. Lembre-se ainda que, antes disso, o país viveu uma depressão, anos da Grande Recessão (2014-2016) e de crescimento quase nenhum de 2017-2019.


Considere-se ainda o salário de entrada no mercado formal, o salário de admissão das estatísticas do Caged, registros que empresas têm de enviar ao ministério do Trabalho. O salário de admissão de março deste 2025 é ainda inferior ao de março de 2020: 4,9% menor. O salário de demissão é 1,4% menor.

É mais raro, para dizer o mínimo, ouvir a esquerda falar de salários e menos ainda do mundo do trabalho. Nota-se que o 1º de Maio esvaziado se deve à decadência do emprego industrial, de sindicatos, à precarização, à pejotização, à economia do bico e à onda direitista, “neoliberal” etc. A constatação óbvia parece resignação e rendição ao inevitável, mas ainda insuportável. Se as antigas bases sociais e políticas do movimento trabalhista ruíram, por que não se trata disso de algum outro modo?

A esquerda em geral dedica-se a falar de redistribuição (transferências de renda e, mais recentemente, apenas, de tributação). A redistribuição, se ainda possível nos próximos anos, dados os problemas fiscais, redundaria de qualquer modo em benefícios decrescentes (melhoras cada vez menores). A melhoria de renda ainda mais de trabalho, de ganhos de produtividade, outro nome de crescimento econômico.

Dependerá do que se fizer da qualidade e sentido desse crescimento, problema ainda mais difícil quando estamos à beira de passar de um mundo de tantos trabalhos improdutivos e precários do nosso atraso econômico para um mundo de novidades dramáticas, de inteligência artificial e automação, que podem ser muito destrutivos por aqui.



Fonte ==> Folha SP

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